domingo, outubro 02, 2011

Quanta humilhação! Quanta coragem! Quanta bondade!

Tive, durante muitos anos, uma empregada de limpeza que também trabalhava para uma minha amiga. 

O marido esteve preso, a princípio condenado a 20 anos de prisão, mas tendo saído muito antes. Da última vez que foi detido, cumpriu 5 anos por ter roubado, para a sua carrinha, uma peça que custava 5 Euros. Mas, como lhe faltava cumprir 5 anos... Entretanto, foi libertado, trabalhou a carregar coisas e reformou-se. Durante todo este tempo, a senhora teve a minha chave e a das minhas amigas na sua casa e nunca nos desapareceu coisa alguma.

A dita senhora criou três filhos que "não deram nos estudos", mas que deram em tudo o mais, à custa do seu trabalho de limpezas e da reforma do pai do marido, que morreu entretanto. Já depois disso, o senhorio subiu-lhe a renda de casa, multiplicando-a quase por 10. Nesta ocasião, ainda o marido estava "dentro".

- Ó menina! Ele veio algemado ao velório da mãe e agora veio algemado ao velório do pai...! Que vergonha! Os meus filhos até fugiram quando o viram vir, com um polícia de cada lado!!! Os meus filhos não querem saber do pai, têm vergonha dele! (confesso que não fui ao velório, senão tinha visto isto).

- Porque não se divorcia?
- Ó menina, eu não sou casada! Era só o que me faltava! Ser casada!
- Então porque é que não se separa?
- Sei lá! Ele podia-me mandar matar!
- Ah!!! Ele trata-a mal?
- Não, menina! Ele trata-me bem. Era só o que faltava, se ainda por cima, me tratava mal!

Esta empregada de limpeza foi-se embora por causa da crise: muitas "freguesas" deixaram de poder pagar e ela arranjou um emprego a tempo inteiro, a ganhar mais e com todas as garantias. A crise foi para ela uma oportunidade. Disse-me que tinha pena de me deixar. Tinha medo que eu ficasse zangada por ela me deixar, ao fim de tantos anos. E que a tratasse mal por causa disso. 
- Mas eu ainda posso dizer que não aceito, percebe? O que acha? Aceito, ou não?

Quando lhe dei um rápido abraço de despedida, chorou. Um choro estranho, contido, disfarçado. Amargo. Um choro como eu nunca tinha visto. 
Um choro de quem muito chorou às escondidas. De humilhação. De vergonha. De coragem. De força de viver! De amor. De grande bondade! É assim o povo. Aquele que há-de vencer estes políticos e economistas... que têm o mundo a saque.

A explicar-me que ainda não sabia muito bem se havia de aceitar ou não a proposta irrecusável que lhe fizeram, sai-se com esta:
 - Ó menina, eu nunca liguei muito ao dinheiro.
Reflito e concluo: sim, é verdade, ela nunca ligou muito ao dinheiro... 
Nem os reis tiveram nunca esta régia liberdade. A de não ligar ao dinheiro...

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