domingo, junho 22, 2014

Exame de Português: textos misturados, perguntas ambíguas, critérios errados

O exame de português do 12º volta a surpreender-nos. Como acontece todos os anos.

Como é possível que o GAVE (atual IAVE) tenha contratado pessoas que, dispondo de um ano inteiro para elaborar uma prova de exame, tenham cometido erros tão crassos como estes:

- O texto, atribuido a Lídia Jorge, termina com uma conclusão que não é de Lídia Jorge nem daquele texto, mas sim de outro autor, Almeida Faria, num texto que nada tem a ver com aquele. A desculpa é que foi assim que o encontraram na Internet. Como se lê aqui:

Frases do exame de Português podem não ter sido escritas por Lídia Jorge



- Para além desta grave falha, há mais umas duas ou três, como a ambiguidade de certas perguntas, a dúvida grave sobre a denominação da figura de estilo, se é ou não metáfora.

É verdade que o português é subjetivo, a literatura é polissémica, mas os últimos exames de português não parecem considerá-la assim, já que não aceitam respostas diferentes da proposta nos critérios de correção, as quais são sempre muito básicas, mesmo quando se referem a comentários de textos literários. Para acentuar esta ideia, este ano retiraram, pela primeira vez, uma frase na qual se dizia que o aluno poderia dar uma outra resposta, a qual poderia ser considerada certa se o corretor assim o entendesse. Ainda bem que retiraram essa frase, pois não era isso o que acontecia. Qualquer leitura mais literária era considerada incorreta.

Advertido pela APP de que existe uma resposta errada nos critérios, o GAVE/ IAVE teima em afirmar que a resposta está correta e qualquer outra está errada.
Muito mais estranho: muitíssimos alunos acertam e, portanto, têm a resposta errada.

Especialistas não se entendem sobre critérios de correcção do exame de Português


Um linguista vai ao ponto de afirmar que se podem aceitar as duas respostas, a do GAVE e a outra, mas não deixa de acrescentar que é um disparate colocar tal pergunta num exame.
Parece que agora até os linguistas analisam a língua de acordo com  a cor política...
A mim ainda me parece muito dúbio que se considere ato locutório ou ato de fala uma frase que não corresponde a uma fala (normalmente, faz-se esta pergunta reportando-a a um diálogo). Talvez o discurso de  Almeida Faria seja mais coloquial que o de Lídia Jorge e se possa inferir que se trata de uma situação coloquial, metaforicamente falando... mas o texto da autora nada tem de coloquial.

- Não esquecer que este exame foi bem mais fácil que todos os outros, um autêntico bodo aos pobres, embora o atual ministro dissesse, há uns anos, que não se pode aferir a avaliação do sistema com exames que mudam de dificuldade todos os anos, o que implica resultados totalmente diferentes todos os anos. 
Assim, no ano passado os alunos tiveram más notas a português, o que aparentemente quer dizer que está algo errado no ensino desta disciplina, mas este ano vai haver notas ótimas, o que significa, claro, que tudo mudou para melhor no ensino do português, nos últimos 12 meses e que já está tudo bem. Sem que nada tenha acontecido, entretanto.

Está em atividade uma petição pública online a propor a revisão do critérios de exame: AQUI


Todos os anos acontece esta coisa extraordinária: alunos com média de 18 a tudo são classificados com 10, 11 ou 12 no exame de português. E na maioria dos casos, não adianta nada reclamar da nota. Raramente resulta.

Post Scriptum (4/7/2014): O Iave continua a considerar errada a resposta que os linguistas consideraram correta, mas, "para não prejudicar os alunos", os corretores devem considerar as duas certas. E porque não considera todas certas, "para não prejudicar os alunos"?

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