segunda-feira, julho 03, 2017

E para quando a responsabilização individual por negligência e preguiça, defeitos atribuídos aos povos do sul?

Conheci em tempos e muito bem uma criatura que tinha, entre outras funções, a de ajudar pessoas em situações de emergência.
Numa certa sexta feira de inverno e de chuva torrencial, chamaram essa pessoa para acudir a uma mãe e uma filha que tinham sido despejadas de casa e estavam na rua. Não foi. Motivo: porque estava a chover muito.
Durante todo o fim de semana, a referida criatura não saiu de casa, sem que um estremecimento de culpa lhe arrepiasse os músculos descansados ou lhe tirasse o sono. Afinal, é tão agradável ficar na cama ouvindo a chuva torrencial tamborilar nos telhados, nos vidros, no telhado mais baixo do vizinho… dá sono… dá tanto sono, tanta calma e tanta paz…
Insisti, ofereci-me para ajudar, mas a explicação para nada fazer era ótima: - “Eu só tenho de atuar em caso de emergência e, quando passarem 48 horas, deixa de ser um caso de emergência… na segunda feira, o caso passa para a alçada de outras pessoas”.
Conto isto para exprimir a seguinte ideia: em Portugal há realmente muitas pessoas assim, como dizem que é comum nos países do sul da Europa. O que me chateia é que também há pessoas muito cumpridoras, que poriam tudo a toque de caixa, mas que, muitas vezes, são bloqueadas, postas na prateleira e têm de obedecer a estas. Porque estas não fazem ondas. São amorosas com as chefias, dão abraços e beijinhos, são “porreiras”.
A solução, quando se descobrem casos de negligência é acusar o governo e o ministro da tutela. Para quando a responsabilização individual? Para quando ir ver se as pessoas estão doentes e penalizar o funcionário que finge estar doente e o médico que passa os atestados a toda a gente?
Esta pessoa era considerada boa pessoa, ou mesmo muito boa pessoa. Às vezes era. E as vezes em que era tão boa pessoa e tão generosa, ficavam para as vezes em que deixava ao frio e à chuva uma mulher e a filha, sem terem que comer, sem nada que as protegesse ou aos seus haveres, enquanto ouvia tamborilar a chuva, ensonada, satisfeita e farta das iguarias que podia comprar com o subsídio que recebia, além do ordenado, para tratar de emergências.

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