Vejo no Facebook uma minha amiga muito jovem, que se queixa de várias coisas, pois está a atravessar um mau momento. Problemas amorosos, problemas de trabalho.
Queixa-se de que as pessoas que estavam do seu lado, deixaram de estar e isso deixa-a perplexa e perdida.
Os amigo da mesma idade respondem que é nesta altura que se conhecem os verdadeiros amigos, porque esses estão e estarão sempre do nosso lado.
Mas isso não é verdade. Pois não? Respondo-lhe assim: "Umas pessoas por falta de caráter, outras por ambição ou medo, mudam. Outras não. Mas nem sempre isso tem uma relação connosco. É mais uma atitude genérica."
De facto, uma regra genérica é que as pessoas comuns não são muito corajosas. No estado em que estão as coisas, em termos laborais, essas pessoas não muito corajosas farão o que for melhor para elas, independentemente do que deveriam fazer pelos amigos. Confrontadas com isso, dirão que tiveram medo. E isso colocá-las-á no lugar das vítimas, lugar que os portugueses tanto amam.
Um dia, a Natália Correia disse-me, discutindo comigo e com outras pessoas, o seguinte:
- A menina precisa de estar muito atenta! Ouviu? Muito atenta! Porque a menina não é nada atenta! Ouviu? (pronunciava aténta, abria muito algumas vogais, por ter lutado contra a sua pronúncia açoriana, que as fecha todas).
- Precisa de observar bem as pessoas e estar muito aténta!
- Eu não preciso de estar muito atenta, porque não sou burra!
- Está a chamar-me burra? - Vociferou, de forma atroadora, como costumava fazer quando se zangava.
Fiquei tão aflita com esta pergunta, que respondi em voz baixa:
- Claro que não, por favor! Nunca me passaria pela cabeça chamar-lhe tal coisa. - A voz baixa significava ausência de agressividade e de veemência argumentativa, ao contrário do tom em que tinha proferido a frase "não preciso de estar muito atenta, porque não sou burra!"
Acusou-me, então, também em voz baixa, de, aparentemente lhe ter chamado burra em voz alta e de me ter desculpado em voz baixa.
(Esta mulher tinha um lado teatral que nunca podia ser ignorado quando se falava com ela.)
Não me foi nada difícil ultrapassar este problema, foi só questão de dizer, em voz muito alta, que a admirava muito, muitíssimo, sobretudo a sua enorme inteligência, embora nem sempre concordasse com ela (o que era inteiramente verdade). Acabámos as duas a rir deste pequeno show improvisado. (Isto passava-se no seu Retaurante- Bar Botequim)
E continuámos a conversa em voz baixa.
A Natália passou pela ditadura salazarista. Alguém em quem confiávamos poderia ir fazer queixa de nós à PIDE. E também os empregados, os vizinhos, os companheiros de trabalho, não só aqueles com quem estávamos em conflito ou competição. No momento em que estávamos a falar, 1993, meses antes da sua morte repentina, nada disso existia. Concluí eu, então: "não preciso de estar muito atenta, porque não sou burra!"
Mas os tempos que atualmente vivemos, são outros. O medo voltou. A delação voltou. Está a voltar quase tudo, embora não tudo, no sentido dramático.
Está a voltar a necessidade de ter coragem. Estão a voltar os amigos nos quais não podemos confiar. Embora nos amem muito. Mas não têm coragem de nos defender...
- A menina precisa de estar muito atenta! Ouviu? Muito atenta!