Este delicioso texto é sobre o gaio, como muitos que Aquilino escreveu sobre pássaros. É o início do romance A casa grande de Romarigães
"Também ali perto, por uma tarde fosca de Outubro, chegou um gaio, voejando de chaparro em chaparro, a grasnar mal-humorado como é próprio da raça. No saiote desbotado, as duas pinceladas de azul, azul retinto, fulguravam para que se soubesse que um gaio também é gente dos ares. Trazia no bico uma bolota, um pouco menor que o bolo que o corvo costumava levar à cova de Daniel, mas para ele mais importante. Dispunha-se a comer a merenda bem amargada, quando deu com os olhos no mariolado vizinho com quem bulhara uma Primavera inteira por causa da gaia, depois sua mulher. Já esse tal, rancoroso e mau, dava jeitos de querer investir, penas riças, garras desembainhadas, a asa possuída de frenesim. Que remédio senão preparar-se para o receber condignamente!
E deixou cair a glande. Esta foi bater na face zenital dum velho toro, saltou de ricochete para o lado, e aninhou-se muito aninhada num monte de folhas secas e argalhos. Ninguém a via, nem ela via a mais pequena nesga do mundo."
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"Do pinhão, que um pé-de-vento
arrancou ao dormitório da pinha-mãe, e da bolota, que a ave deixou cair no
solo, repetido o acto mil vezes, gerou-se a floresta. Acudiram os pássaros, os
insectos, os roedores de toda a ordem a povoá-la. No seu solo abrigado e gordo
nasceram as ervas, cuja semente bóia nos céus ou espera à tez dos pousios a vez
de germinar. De permeio desabrocharam cardos, que são a flor da amargura, e a
abrótea, a diabelha, o esfondílio, flores humildes, por isso mesmo troféus de
vitória. Vieram os lobos, os javalis, os zagais com os gados, a infinita
criação rusticana. Faltava o senhor, meio fidalgo, meio patriarca, à moda do
tempo. Ora, certa manhã de Outono…"
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