terça-feira, janeiro 09, 2024

Olinda, Recife e guias brasileiros com alergia a Portugal













7 / 12 / 2023
A minha primeira experiência desta viagem em terras brasileiras não me deixou demasiado bem disposta. Fui numa excursão de língua inglesa por não haver no navio em português, ver Olinda, de que já tinha ouvido falar por ser linda e Recife. O guia brasileiro disse sempre horrores dos portugueses, sem perceber a contradição com o enorme orgulho que ostentava na herança portuguesa. Tudo o que nos mostrou era herança portuguesa, exceto uma ou outra herança holandesa, mas ainda detesta mais os holandeses. 
Então, os portugueses e espanhóis roubaram a terra, mataram os índios, levaram todas as riquezas e não deixaram nada. Não sei se vocês sabem que foram os espanhóis que descobriam o Brasil e não os portugueses e que a única vantagem da língua portuguesa é ser parecida com as línguas espanhola e a italiana. Isto na opinião do guia, claro. De resto, os portugueses cortaram as árvores de pau Brasil e levaram-nas para Portugal e no lugar plantaram cana do açúcar e “nós” até já fomos os maiores produtores mundiais de açúcar. Nós, quem? Não percebi, creio que "nós" eram os portugueses, que levaram todas as riquezas para Portugal e não deixaram nada. 
Olinda é património mundial da Unesco pela arquitetura portuguesa antiga e pela sua beleza. Foi construída em colinas, como Roma e Lisboa, mas é muito mais bonita do que Lisboa, porque tem vista para o mar. É claro que os portugueses não deixaram nada, só deixaram, neste caso, Olinda. Que tem este nome porque Duarte Coelho Pereira quando a viu ficou tão maravilhado que disse: Ó linda! 
Disse também que os escravos não eram batizados porque para ser batizado era preciso pagar, o que também é falso, os senhores de escravos eram obrigados a batizá-los, a menos que provassem ue eles não queriam.
quando afirmou que o recife do Recife não é natural, foi construído para protegera cidades, ficou muito aborrecido mundo lhe perguntei se foram os portugueses que o construíram e teve de dizer que sim, também muito aborrecido quando um estrangeiro elogiou a quantidade de ouro da Capela Dourada, dando uma resposta que não recordo, por também ser absurda.
Um brasileiro que vendia toalhas disse-nos que Olinda tem 22 igrejas e 11 capelas. Bem, pelo menos conheci um casal de portugueses muito simpáticos, até me emprestaram cinco dólares para comprar um recuerdo, já que aqui não dá para levantar dinheiro nas caixas automáticas, ao contrário do que eu esperava. Coitados, tal como eu, sentiram-se acusados de tudo e mais alguma coisa.
Mas Olinda é linda. Não mais do que Lisboa, contudo 🙂

Agrada-me particularmente a conjugação da arquitetura portuguesa com a exuberância da natureza tropical. Isto já se via um pouco em Cabo Verde, mas os cabo-verdianos são agradecidos, até demais… 

Enfim, se os portugueses não tivessem deixado nada no Brasil, ainda assim teriam deixado um dos maiores países do mundo: o Brasil. Com fronteiras definidas pelos portugueses, que incluem a Amazónia. Pouca coisa...


segunda-feira, janeiro 08, 2024

Aqui, Brasil...

 




7 / 12 / 2023
Aqui, Brasil. Acordei as 3:30 dia manhã com a luz do Porto de Recife e mal dormi depois disso. Há vantagem em ter um camarote interior, mas também é boa esta janela para todo o lado. Ao sair do banho, umas vezes posso andar inteiramente à vontade, outras vezes há gente a ver, as vezes outro navio em frente… vou passear.
Ao pequeno almoço estive a falar com uma senhora de Nova Iorque, professora de história. Só esteve umas horas em Lisboa para apanhar o barco, mas adorou e vai voltar. 
Está a par da história de Portugal e menciona o que aconteceu em Lisboa durante a Segunda Guerra Mundial. Muito digno.

Ao estilo americano



 Reparem neste pormenor à americana: zona para fumadores com cadeira de rodas ou scootter (as tais motinhas). Mas não deve haver desses, porque se juntam aqui os fumadores todos.


a primeira coisa que nos perguntam, em todos os restaurantes, é se somos alérgicos a alguma alimento.

O navio é considerado território americano e as leis que aqui nos regem são as dos Estados Unidos da América.

O mar na alma



 6 / 12 / 2023

Para a Isabel que me pediu que escrevesse pelo menos cinco linhas por dia, de forma criativa, embora seja difícil distinguir a escrita criativa das outras 🙂


Ao vermos o despojamento, belíssimo, deslumbrante que existe na superfície dos oceanos, somos levados a imaginar a pujança da terra, a abundância e a grande variedade das formas que se formam da Terra.
Agradeço a abundância de beleza que existe, mesmo em lugares onde os olhos humanos não chegaram para a contemplar: no fundo dos mares, nos astros distantes…
Agradeço aquela flor maravilhosa que acaba de desabrochar no coração da floresta amazónica, flor completamente inútil, beleza completamente inútil que nunca será vista por ninguém, só a verão as feras, igualmente belas.
Agradeço a abundância de beleza que existe no mundo, visível para todos, narrável para quem não a pode ver. A beleza dos cheiros, do mar, das flores, todas as belezas que se oferecem aos nossos poucos sentidos.
Agradeço este belo momento que passei na contemplação dos mares e na imaginação da terra.
Agradeço “ao Deus que houver”, * ao universo, ao mundo, ao sol e à água.
* Expressão de Saramago

Treino de salvamento



 

 6 / 12 / 2023

Antigamente faziam simulações realísticas de abandonar o navio, todos de colete salva-vidas ao lado das baleeiras, mas vi algumas pessoas desmaiarem de medo e quase todas a mencionarem o Titanic.

Agora só temos de nos deslocar ao nosso posto de controle, onde nos marcam a presença, pois é obrigatório pela SOLAS.
O navio navega agora a grande velocidade, talvez 36 kms, o que se nota pelo aspeto da esteira. No próximo ano estas velocidades vão ser proibidas por razões ecológicas.

Para além das pessoas que aqui se manifestam, fazendo likes e comentários, sei, porque me dizem, que há pelo menos outras tantas que vêm cá ver e ler tudo, mas não se manifestam pois essa é a sua maneira de estarem no Facebook (todas estas fotos e textos foram inicialmente publicadas em direto no Facebook)

Nada se vê, a não ser o mar e os pássaros












 6 / 12 / 2023

Na minha peregrinação matinal pelo convés, vejo agora pássaros. Talvez exista por aqui alguma pequena ilha sem história, só com pássaros e outros seres naturais, ou então atravessam o oceano, pois viam todos na mesma direção, de sul-sudeste para nor-noroeste, circundando o navio pela proa. Talvez voem da ilha Fernando Noronha, que é uma reserva ecológica, para algures.
Ontem vi apenas um, também ele viajante solitário, mas hoje são muitos, quase todos brancos, alguns poucos castanhos.
descubro depois que são albatrozes e outros que voam mais rapidamente e mais ao longe, creio que serão

O navio

 





5/ 12 / 2023

Ontem alguns puseram roupa a secar no corrimão, mas os tripulantes estão sempre a envernizá-lo e a pôr avisos de verniz fresco. O navio é auto-suficiente, como é maioritariamente de ferro, que enferruja com o sal, estão continuamente a pintá-lo, a raspar a ferrugem e a fazer outras pequenas obras.
Sempre a trabalhar…

A nave dos loucos






Desde Cabo Verde, por já estarmos no mar há uns tempos, mas para continuar, este navio faz-me lembrar a minha pequena terra e o meu pequeno bairro de Campo de Ourique (algo parecidos entre si): de cada vez que vou ao centro (ou a terra) tomar café, conheço toda a gente de vista, muitos me cumprimentam, uns falam comigo em português, alguns estrangeiros já me tratam por Grace, que para eles é mais fácil de dizer e que sempre foi um dos meus diminutivos, entre outros.
Há aqui um vinho branco alemão muito bom, muito frutado e doce, da casta Ristling, “Shade of Blue”. O Viu, ou Vui ou lá como se chama, garante que não há vinhos alemães doces, a menos que lhes deitem açúcar (ele é engraçado) muito menos da casta Ristling. Mas a minha insistência, provou e gostou.
Um americano com cara de corrécio que não para de escrever na biblioteca (escreve letras para músicas, diz ele), comprou hoje à noite uma garrafa desse e foi bebê-la para o camarote, sozinho. Para descontrair. E talvez para escrever. Esse viaja acompanhado por um rapazito que deve ser autista, ou algo assim, filho de amigos, por isso se juntam ambos ao grupo dos “solos”.
Há muitíssimas pessoas com dificuldades motoras, há três que andam sempre juntas e muito satisfeitas, usam uma espécie de motinha, dentro e fora do navio (scooter), depois levantam-se e caminham, devagar mas bem. Há pessoas com “pernas de pau”, andarilhos, cadeiras de rodas… algumas dessas viajam sozinhas, pelo menos uma com andarilho, um homem de muita idade, muito alto e muito gordo, que se gaba de ser ou de ter sido um "ranger do Texas".
A grande maioria é gente aposentada que não tem horas nem data para chegar a lado nenhum e só há meia dúzia de crianças. Há uma vietnamita que vive nos Estados Unidos viajando sozinha, sempre de lenço na cabeça, por ser muçulmana, pequenina e magrinha, sempre a rir muito, mas não a vejo falar com ninguém a não ser comigo. Teve muita pena dos cabo-verdianos por serem pobres, parece muito delicada e sensível. Um casal de velhinhos veste-se sempre de branco, tendo ambos uma farta trança branca, a dela posta de lado, devem ser do Yoga.
Há homens velhos vestidos com um fato de casaco e calções, azul elétrico, com desenhos amarelos e verdes de palmeiras, macacos, bonecos de banda desenhada… rapazes bonitos vestidos de saias às tiras ou de vestidos transparentes… gente com grandes perucas de todas as cores…
Parece a nave dos loucos!
(É chato tirar fotos a pessoas, mas vou ver se arranjo umas melhores, senão, servem estas.)

No meio de lado nenhum

 

4 / 12 / 2023

Aqui, no meio de lado nenhum, são quase seis horas da manhã, menos três do que em Portugal. A linha do Equador ficou para trás durante a noite, vamos ter mais um dia só de navegação, o último antes de chegar a Recife, no Brasil. Não confundir com Arrecife, por onde já passamos há uns dias.
É estranho começar a ouvir cânticos de Natal com um calor de rachar…
Acordo muito antes das seis da manhã com um sol brilhante a entrar a jorros pela janela. Amanhece mais cedo, aqui. E deitei-me pela hora anterior, a de Fernando Noronha. Dormir, dormirei em Lisboa.
Ontem jantei bem demais num restaurante italiano, hoje estou em jejum até ao almoço, exceto água e café. Não é jejum sacrificial, sinto-me melhor assim.


Mentalidade americana


5 / 12 / 2023

Do mesmo modo que a tripulação promove encontros entre os que viajam sozinhos, também fazem o mesmo com pessoas LGBTI. Andam aqui tão satisfeitos, cada vez mais, que alguns homens já usam saias e vestidos vaporosos, como aquele rapaz de vestido preto e chapéu. E perucas imensas, coloridas.
O navio é americano, apesar do nome e é tudo à americana

Atravessar o Oceano Atlântico

 




4 / 12 / 2023

Pensei que ao atravessar o Oceano o mar fosse bravo, mas está tão manso e liso como se fosse um lenço. Durante a noite vamos atravessar o Equador.
Já dei as 10 voltas a este convés, cinco de manhã e cinco de tarde, cada volta 560 metros.
O alemão Uwe de que as vezes falo, a que eu chamo sempre Viu ou Vui (vocês alguma vez ouviram este nome, Uvé?)esteve todo o tempo sentado ou espapaçado neste convés, de manhã a bombordo e de tarde a estibordo, sem sol, só saiu daqui para comer uma sopa.
Estamos no meridiano Fernando Noronha, nesta navegação é tudo português ou em português. Menos duas horas do que aí…
Se o mar estava assim quando passou Pedro Álvares Cabral, foi fácil descobrir o Brasil.

sábado, janeiro 06, 2024

Pai

 

4 / 12 / 2023

Estas algas amarelas parecem flores. Ofereço ao meu pai estas flores amarelas, o meu pai que partiu no dia de hoje, há muitíssimos anos.
O único medo que lhe conheci ( não o conheci muito bem) foi o da água dos rios e mares, medo de mergulhar e de andar de barco, porque viu um amigo a afogar-se no rio Douro. Mas não me contagiou com esse receio. teve o cuidado de não o fazer, levando-nos mesmo até aos rios onde aprendi a nadar. Tinha o costume de se rir dos nossos maiores medos, diferente o de cada um e de nos ajudar a enfrentá-los, só agora percebo isso.
Olá, pai!

Algas

 




4 / 12 / 2023

Hoje apareceram umas algas amarelas. Uns americanos dizem que são mas, porque aparecem nas praias das Caraíbas e cheiram mal, mas o Google diz que são ótimas para o ambiente, a alimentação e a medicina. São bonitas, parecem flores amarelas.
A esteira do navio está maior, mais bonita, reflete melhor a luz e faz mais barulho. Não admira, estamos agora a navegar a “grande velocidade”, a 30 quilómetros por hora. Ainda não há velocidade no mar. Não se vê nada mais, nem mesmo navios.
(Isto é que é um verdadeiro diário de bordo como os antigos, que só falavam do mar e da navegação. Os relatos que falavam de pessoas eram as Relações de Viagem).

Algas, é tudo o que se vê...

 



Seeweeds: uns americanos entendidos dizem que isto é mau, que aparece nas praias das Caraíbas e que cheira mal. Pelo que vi até agora no Google, não diz que é mau… aí não há, pois não? Modernices



Adeus São Vicente!






Adeus ilha de São Vicente. A ilha dos barquinhos pequeninos, em que os homens chegam a navegar durante três dias seguidos. Para pescar.
Vamos agora atravessar o Atlântico para o outro lado, como fez Pedro Álvares Cabral pela primeira vez há uns tempos.