segunda-feira, janeiro 08, 2024

A nave dos loucos






Desde Cabo Verde, por já estarmos no mar há uns tempos, mas para continuar, este navio faz-me lembrar a minha pequena terra e o meu pequeno bairro de Campo de Ourique (algo parecidos entre si): de cada vez que vou ao centro (ou a terra) tomar café, conheço toda a gente de vista, muitos me cumprimentam, uns falam comigo em português, alguns estrangeiros já me tratam por Grace, que para eles é mais fácil de dizer e que sempre foi um dos meus diminutivos, entre outros.
Há aqui um vinho branco alemão muito bom, muito frutado e doce, da casta Ristling, “Shade of Blue”. O Viu, ou Vui ou lá como se chama, garante que não há vinhos alemães doces, a menos que lhes deitem açúcar (ele é engraçado) muito menos da casta Ristling. Mas a minha insistência, provou e gostou.
Um americano com cara de corrécio que não para de escrever na biblioteca (escreve letras para músicas, diz ele), comprou hoje à noite uma garrafa desse e foi bebê-la para o camarote, sozinho. Para descontrair. E talvez para escrever. Esse viaja acompanhado por um rapazito que deve ser autista, ou algo assim, filho de amigos, por isso se juntam ambos ao grupo dos “solos”.
Há muitíssimas pessoas com dificuldades motoras, há três que andam sempre juntas e muito satisfeitas, usam uma espécie de motinha, dentro e fora do navio (scooter), depois levantam-se e caminham, devagar mas bem. Há pessoas com “pernas de pau”, andarilhos, cadeiras de rodas… algumas dessas viajam sozinhas, pelo menos uma com andarilho, um homem de muita idade, muito alto e muito gordo, que se gaba de ser ou de ter sido um "ranger do Texas".
A grande maioria é gente aposentada que não tem horas nem data para chegar a lado nenhum e só há meia dúzia de crianças. Há uma vietnamita que vive nos Estados Unidos viajando sozinha, sempre de lenço na cabeça, por ser muçulmana, pequenina e magrinha, sempre a rir muito, mas não a vejo falar com ninguém a não ser comigo. Teve muita pena dos cabo-verdianos por serem pobres, parece muito delicada e sensível. Um casal de velhinhos veste-se sempre de branco, tendo ambos uma farta trança branca, a dela posta de lado, devem ser do Yoga.
Há homens velhos vestidos com um fato de casaco e calções, azul elétrico, com desenhos amarelos e verdes de palmeiras, macacos, bonecos de banda desenhada… rapazes bonitos vestidos de saias às tiras ou de vestidos transparentes… gente com grandes perucas de todas as cores…
Parece a nave dos loucos!
(É chato tirar fotos a pessoas, mas vou ver se arranjo umas melhores, senão, servem estas.)

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