Ando a ler com prazer e entusiasmo um livro do teólogo Ratzinger antes de ser Papa. Escrito na década de 80, considera, no prefácio posterior, haver dois períodos importantes para a religião no Século XX. O Maio de 68, ou seja, 1968, em que a utopia passou para o lado do humano, desligando-se das religiões e negando-as, e a queda do muro de Berlim, em que a utopia deixou de se colocar ao nível humano, por falência dos ideiais políticos (a seu ver, eles também baseados no Cristianismo e tomados também como uma fé).
O Papa leva muito a sério a importância especial dada actualmente à parte mística das religiões, nomeadamente à expansão das ideias budistas no ocidente e outras...
E diz algo que me surpreende num Papa, já que o livro foi reeditado agora. E que ainda estou a ler no princípio. Passo a citar.
"... Assim como o fiel se sabe constantemente ameaçado pela incredulidade que o acompanha como uma tentação sem fim, também a fé constitui para o incrédulo uma ameaça e uma tentação para o seu mundo aparentemente completo. " p.32
E prossegue nesta ideia
" ... Tanto o fiel como o incrédulo participam, cada qual à sua maneira, da dúvida e da fé, desde que não se escondam de si mesmos e da verdade do seu ser. Nenhum deles consegue fugir totalmente à dúvida, nem à fé..." p.33
Chamam fanático e retrógrada a este homem? Gosto particularmente da frase "desde que não se escondam de si mesmos e da verdade do seu ser".
O que me leva também a reflectir sobre isto: há hoje inúmeras pessoas que afirmam ver Cristo e falar com ele, ver anjos, santos, espíritos, etc. Nem todos me parecem charlatães, antes me parecem estar noutra onda qualquer e, se enganarem alguém , fazem-no primeiro a eles mesmos.
Pergunta: por que razão não vêem os Papas a Deus? Por que razão são eles também assaltados pela dúvida, perante o silêncio e a invisibilidade de Deus? Invisibilidade de que este livro fala muito, também.
Acreditaremos nestas pessoas porque não nos enganam, sendo racionalistas e promovendo o racionalismo, ou acusamo-las de excesso de racionalismo e de falta de iluminação?
Comoveu-me e espantou-me, pelas mesmas razões, a confissão do Papa em Fátima, afirmando que é fácil um crente ter inveja de Francisco porque ele viu e o crente não vê. Inveja: refere-se a ela muitas vezes neste sentido.
Parece-me um alma torturada pelo silêncio de Deus, a invisibilidade de Deus, pela inveja de quem o vê, pela dúvida e pela fé.
Sempre gostei deste Papa, por me parecer, tal como outros Gurus, que tem algo para transmitir a toda a humanidade. Nem que seja a sua humilde e pobre humanidade, revestida de vestes douradas. Talvez de ouro falso.
P.S.: Os livros deste autor lêem-se com agrado,porque têm sempre uma feição narrativa.
Livro: Introdução ao Cristianismo, Joseph Ratzinger. - Estoril: Principia, 2006.