Todas as terras julgam chamar-se A Terra. Todas as terras são, para quem mora nelas, o Umbigo do Mundo. Sempre que desembarquei em terra, depois de ter navegado pelos mar, senti que a terra era imunda. E enjoei.
terça-feira, novembro 20, 2007
Autogénese Poema de Natália Correia
Uma nossa recente amiguinha deste blogue, auto-designada por Luanda, pede-me que coloque aqui o poema completo "Autogénese" de que já coloquei parte em Setembro do ano passado. Vou enviar-lho por email como pediu, mas tenho muito gosto em colocar aqui esse magnífico poema da Natália Correia, que conheci pessoalmente e que me deu muitos momentos de fruição estética. Diz este poema, se bem o entendo, que cada um se faz a si mesmo, desde que não se deixe influenciar incontroladamente por aquilo que o rodeia. Concordo e a Luu também, acho eu.
Afinal a Luu diz que tem um disco do Vinícius com a Amália em que a Natália canta isto. Espero que nos mande essa música, pois não conheço.
(Mais tarde: acrescento este vídeo, com o poema dito pela própria Natália Correia).
AUTOGÉNESE
Nascitura estava
sem faca nos dentes
cómoda e impura
de não ter vontade
de bater nas gentes.
Nasce-se em setúbal
nasce-se em pequim
eu sou dos açores
(relativamente
naquilo que tenho
de basalto e flores)
mas não é assim:
a gente só nasce
quando somos nós
que temos as dores;
pragas e castigos
foram-me gerando
por trás dos postigos
e um fórceps de raiva
me arrancou toda
em sangue de mim.
Nascitura estava
sorria e jantava
e um beijo me deste
tu Pedro ou Silvestre
turvo namorado
do verão ou de outono
hibernal afecto
casca azul do sono
sem unhas do feto.
Eu nasci das balas
eu cresci das setas
que em prendas de sala
me foram jogando
os mulheres poetas
eu nasci dos seios
dores que me cresceram
pomos do ciúme
dos que os não morderam;
nasci de me verem
sempre de soslaio
de eu dizer em junho
e eles em maio
de ser como eles
às vezes por fora
mas nunca por dentro
perfil de uma estátua
que não sou de frente.
Nascitura estava
e mais que imperfeita
de ser sorte ou dado
que qualquer mão deita.
Eu nasci de haver
os bairros da lata
do dedo que escapa
dos sapatos rotos
da fome que mata
o que quer nascer
e que o sábio guarda
em frascos de abortos;
eu nasci de ver
cheirar e ouvir
dum odor a mortos
(judeus enlatados
para caberem mais
mas desinfectados)
pelas chaminés
nazis a sair
de te ver passar
de me despedir
de teus olhos tristes
como se existisses.
Nascitura estava
tom de rosa pulcra
eu me declinava
vésper em latim:
impura de todos
gostarem de mim.
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4 comentários:
Também passava pelo Botequim???
merci
ce poême est très beau
je le découvre un peu par hasard
en fouillant dans ton blog
eh oui...botequim...
maria carqueja
olá, vim aqui parar em busca de conceitos de autogênese. o disco que a Luu refere encontra-se num site chamado loronix.blogspot.com e é livre para baixar. é um disco de uma festa em casa da Amália no dia anterior á partida do Vinícius para itália. penso que aconteceu a 22 ou 23 de dezembro. o narrador chega atrasado. ahah é muito bom. para os fãs de brasil este site de um tipo que responde pelo nome de Loro é uma mina.
cumprimentos
João Albino
Agradeço-lhe esta informação.
Escrevi uma tese sobre a Natália Correia e conheci-a bem, portanto estou interessada em tudo o que lhe diga respeito, a despeito de não ter a intenção de fazer outros trabalhos sobre esta escritora.
A não ser publicar a tese, como auto-publicação, pois ninguém lê nem compra teses.
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