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quinta-feira, setembro 14, 2023

Não Percas a Rosa

 



No centenário da Natália Correia, recordo muitas vezes um episódio. Eu andava a escrever a primeira tese universitária sobre a sua obra (ninguém queria fazer ou orientar essas teses por medo dela) e ia muito regularmente ao Botequim, onde participava das tertúlias constantes que lá se faziam. Se ainda não leram, vale a pena ler o livro muito interessante da Natália “Não percas a Rosa” um diário do PREC em que quase tudo acontece neste restaurante-bar, pertencente ao seu terceiro marido.  

Comecei a interessar-me por política, pois a Natália fazia questão que eu me sentasse na mesa dela ou na do Dórdio Guimarães, o quarto marido, desde que eu lhe disse que estava a fazer a tese. Comecei a ler os jornais e a ver o telejornal, sobretudo ao sábado, antes de ir para lá, para poder participar ativamente das conversas.  

Um dia, o telejornal deu uma curta entrevista com o escritor David Mourão Ferreira, muito amigo da Natália, mas eu não percebi nada do que ele disse. Pensei: o que vou eu dizer à Natália? Que não percebi nada? Nem pensar nisso é bom! Não vou ao Botequim. Vou e digo que não vi. Vou e digo que percebi tudo. Não vou. 

Digo que o televisor se avariou, conjecturava eu já no táxi a caminho do Botequim. Pronto, digo que vi e finjo que percebi perfeitamente, digo que sim com a cabeça… quando lá chegar volto para trás e vou para casa… 

Mal entro no Botequim, dou um beijo à Natália, sento-me à mesa e a Natália pergunta- me imediatamente:

- A menina viu a entrevista com o David Mourão Ferreira na televisão ? 

- Vi.

- E percebeu alguma coisa? 

- Não… não percebi nada. 

A Natália ficou muito feliz com esta resposta e disse muito alto, dirigindo-se  a todos os que se encontravam no bar:

- Veem? Esta menina não percebeu absolutamente nada do que disse o David! Vou já telefonar ao David e dizer-lhe! Ó Sr. Bandola, ligue-me já o telefone para o David Mourão Ferreira.

Envergonhadíssima, aterrada, a pensar que estava a viver um pesadelo, pouco faltou para eu me meter debaixo da mesa ou fugir dali a sete pés, ao ouvir tais declarações. Mas a Natália explicou-me: também não tinha percebido nada, mas toda a gente que entrou no Botequim antes de mim e a quem fez a mesma pergunta, respondeu logo que tinha percebido tudo perfeitamente. 

Ao telefone, minutos depois, o “David” contou-lhe que nessa entrevista tinha dito cobras e lagartos da situação política e sobretudo de Cavaco Silva. Então os jornalistas cortaram todas as críticas que fez e emendaram as outras frases e o seu discurso de tal maneira absurda, que nem ele próprio percebeu nada do que disse no noticiário do Telejornal. 

Depois desta conversa, a Natália contou alto e bom som tudo isto , injuriou todos os outros frequentadores que se encontravam no Botequim e elogiou-me imenso, colocando-me nos píncaros, menina cultíssima, inteligentíssima, verdadeira, disse logo que não percebeu nada…

Completamente babada com tanto elogio dito em voz alta e naquele tom de voz da Natália, jurei para nunca mais voltar a ter as dúvidas que tinha tido e jurei para mim mesma que nunca mais iria fingir perceber o que não perceber.

E também jurei, é claro, que nunca iria perder a rosa.

segunda-feira, agosto 30, 2021

Uma Casa da Alma





Atravesso uma paisagem de folhagens verdes e amarelas, de rios e de plumas, de águas de lagoas, para finalmente chegar à casa de vidro perto do mar.

Nessa casa está uma mulher que nos fala da nossa alma. Como se a conhecesse. 

Essa estranha que é a nossa alma, essa estranha que é essa mulher, aparecendo no meio das flores e dos lagos. 

Uma mulher com o nome e o gosto de longínquos mares, com a voz rouca dos búzios, ressoante de futuras ondas, com que canta às vezes as passadas marés. 


Graciete Nobre 

domingo, março 21, 2021

Primavera


Apetece beijar as pétalas das flores como beijar uma dádiva oferecida pelo tempo.

Tão suaves, tão macias, tão brancas, tão azuis ou vermelhas no calor que se adivinha


E que sejam bem-vindas as moscas!

E as flores aladas, sejam borboletas ou pássaros


E os pássaros desprovidos de asas, os grilos e as cigarras que hão-de anunciar o Verão


Agradeço às deusas fêmeas Ceres, Artemísia, Afrodie e Atena, agradeço aos deuses machos, Apolo, Diónisos, Cronos e a todos os deuses, agradeço ao deus único, talvez Alá ou Jeová


E a mim, e a ti, homem ou mulher, espírito capaz de vislumbrar a beleza, ser iluminado, ente capaz de entender este renascer constante da matéria, da luz e do sonho do espaço.

Graciete Nobre 

Publicado online na revista on-line Triplov

quinta-feira, outubro 15, 2020

Muito belo poema de Louise Gluck: "O lírio prateado"

 


Foto da Internet Papoilas Brancas

"O lírio prateado"
As noites ficaram frias de novo, como as noites
de começo de primavera, e quietas de novo.
Será que a conversa te incomoda? Estamos
sozinhos agora; não temos razão para silêncio.
Vês, sobre o jardim — a lua cheia nasce.
Não verei a próxima lua cheia.
Na primavera, quando a lua nascia, significava
que o tempo era infinito. Anêmonas
abriam e fechavam, as sementes
em cachos caíam dos bordos em pálidas lufadas.
Branco sobre branco, a lua nascia sobre o vidoeiro.
E no arco em que a árvore se divide,
folhas dos primeiros narcisos, ao luar
prata-verde-claras.
Juntos, chegamos
perto demais do fim para agora
temermos o fim.
Nessas noites, não estou nem mesmo certa
de que sei o que significa o fim.
E tu, que estiveste com um homem —
depois dos primeiros gritos,
não faz a alegria, como o medo,
barulho algum?"

Louise Gluck in Revista Bula

segunda-feira, outubro 12, 2020

Louise Gluck - Paisagem 3




Jean François Millet "Les Glaneuses" ou "as Respigadoras"


Louise Gluck, escritora que ganhou o Prémio Nobel 2020, escrevendo sobre a atualidade e inspirada na mitologia grega.

"Paisagem/3
Nos fins do outono uma rapariga deitou fogo
a um trigal. O outono
fora muito seco; o campo
ardeu como palha.
Depois não sobrou nada.
Se o atravessávamos, não víamos nada.
Nada havia para colher, para cheirar.
Os cavalos não compreendem –
Onde está o campo, parecem dizer.
Como tu ou eu a perguntar
onde está a nossa casa.
Ninguém sabe responder-lhes.
Não sobra nada;
resta-nos esperar, a bem do lavrador,
que o seguro pague.
É como perder um ano de vida.
Em que perderias um ano da tua vida?
Mais tarde regressas ao velho lugar –
só restam cinzas: negrume e vazio.
Pensas: como pude viver aqui?
Mas na altura era diferente,
mesmo no último verão. A terra agia
como se nada de mal pudesse acontecer-lhe.
Um único fósforo foi quanto bastou.
Mas no momento certo – teve de ser no momento certo.
O campo crestado, seco –
a morte já a postos
por assim dizer."
*Terceira parte do poema “Landscape”, de Averno (2006), traduzido por Rui Pires Cabral. Os versos foram publicados no n.º 12 da revista Telhados de Vidro, da editora Averno, em maio de 2009

domingo, outubro 11, 2020

Louise Gluck

 


Circe de Wright Barker, 1889

Louise Gluck: lúcida, clássica e moderna, vendo o nosso tempo sob inspiração da mitologia grega.

O Poder de Circe
Nunca transformei ninguém em porco.
Algumas pessoas são porcos; faço-os
parecerem-se a porcos.
Estou farta do vosso mundo
que permite que o exterior disfarce o interior.
Os teus homens não eram maus;
uma vida indisciplinada
fez-lhes isso. Como porcos,
sob o meu cuidado
E das minhas ajudantes,
tornaram-se mais dóceis.
Depois reverti o encanto,
mostrando-te a minha boa vontade
e o meu poder. Eu vi
que poderíamos ser aqui felizes,
como o são os homens e as mulheres
de exigências simples. Ao mesmo tempo,
previ a tua partida,
os teus homens, com a minha ajuda, sujeitando
o mar ruidoso e sobressaltado. Pensas
que algumas lágrimas me perturbam? Meu amigo,
toda a feiticeira tem
um coração pragmático; ninguém
vê o essencial que não possa
enfrentar os limites. Se apenas te quisesse ter
podia ter-te aprisionado.
*Poema publicado originalmente na coletânea Meadowlands (1996), com o título “Circe’s Power”. Editado em Portugal na antologia Rosa do Mundo. 2001 Poemas Para o Futuro (2001), da Assírio & Alvim, numa tradução de José Alberto Oliveira. A antologia encontra-se atualmente esgotada

domingo, junho 07, 2020

Diário da quarentena e do desconfinamento: a eficácia que se avaria

Fúrias

Escorraçadas do pecado e do sagrado 
Habitam agora a mais íntima humildade 
Do quotidiano. São 
Torneira que se estraga atraso de autocarro 
Sopa que transborda na panela 
Caneta que se perde aspirador que não aspira 
Táxi que não há recibo estraviado 
Empurrão cotovelada espera 
Burocrático desvario 

Sem clamor sem olhar 
Sem cabelos eriçados de serpentes 
Com as meticulosas mãos do dia-a-dia 
Elas nos desfiam 

Elas são a peculiar maravilha do mundo moderno 
Sem rosto e sem máscara 
Sem nome e sem sopro 
São as hidras de mil cabeças da eficácia que se avaria

Já não perseguem sacrílegos e parricidas 
Preferem vítimas inocentes 
Que de forma nenhuma as provocaram 
Por elas o dia perde seus longos planos lisos 
Seu sumo de fruta 
Sua fragrância de flor 
Seu marinho alvoroço 
E o tempo é transformado 
Em tarefa e pressa 

A contratempo. 

Sophia de Mello Breyner

sábado, novembro 09, 2019

No centenário de Sophia: Praia

E a praia nunca mais será a mesma, depois de termos amado este poema



Praia


Na luz oscilam os múltiplos navios
Caminho ao longo dos oceanos frios

As ondas desenrolam os seus braços
E brancas tombam de bruços

A praia é longa e lisa sob o vento
Saturada de espaços e maresia

E para trás de mim fica o murmúrio
Das ondas enroladas como búzios.

Sophia de Mello Breyer

(Foto oficial da escritora)

No centenário de Sophia: Para Atravessar Contigo o Deserto do Mundo




"Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei 

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso 

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo 
Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento "
Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Livro Sexto'

(Foto oficial da escritora)

segunda-feira, maio 13, 2019

Alfonsina y el Mar - Mercedes Sosa



Muito bela canção sobre a morte e o suicídio.
Mas muito mais bela é a  vida.
Esta é uma mensagem minha (oculta) para alguém.
Talvez para uma amiga...

sexta-feira, março 02, 2018

Oh, Como era bela, a miséria!







Hoje em dia, já não há jumentinhas, muito menos moleirinhas. Tanto que, o corretor ortográfico nem considera que existam essas duas palavras.
Felizmente, nos países europeus nossos conhecidos, já nem existe miséria, no verdadeiro sentido da palavra. Não há velhinhas muito velhas a arrastarem-se pelas estradas e caminhos da terra. O que nos leva a estarmo-nos nas tintas para os outros continentes.

A não ser quando visitamos países remotos: que giras aquelas aldeias de palha sobre rios e lagos, com um gentinha a comer peixes quando os há... ou no cume das serras, casas tão pequeninas e tão giras!

Que giro!


A Moleirinha 


Pela estrada plana, toc, toc, toc, 
Guia o jumentinho uma velhinha errante 
Como vão ligeiros, ambos a reboque, 
Antes que anoiteça, toc, toc, toc 
A velhinha atrás, o jumentinho adiante!... 

Toc, toc, a velha vai para o moinho, 
Tem oitenta anos, bem bonito rol!... 
E contudo alegre como um passarinho, 
Toc, toc, e fresca como o branco linho, 
De manhã nas relvas a corar ao sol. 

Vai sem cabeçada, em liberdade franca, 
O jerico ruço duma linda cor; 
Nunca foi ferrado, nunca usou retranca, 
Tange-o, toc, toc, moleirinha branca 
Com o galho verde duma giesta em flor. 

Vendo esta velhita, encarquilhada e benta, 
Toc, toc, toc, que recordação! 
Minha avó ceguinha se me representa... 
Tinha eu seis anos, tinha ela oitenta, 
Quem me fez o berço fez-lhe o seu caixão!... 

Toc, toc, toc, lindo burriquito, 
Para as minhas filhas quem mo dera a mim! 
Nada mais gracioso, nada mais bonito! 
Quando a virgem pura foi para o Egipto, 
Com certeza ia num burrico assim. 

Toc, toc, é tarde, moleirinha santa! 
Nascem as estrelas, vivas, em cardume... 
Toc, toc, toc, e quando o galo canta, 
Logo a moleirinha, toc, se levanta, 
Pra vestir os netos, pra acender o lume... 

Toc, toc, toc, como se espaneja, 
Lindo o jumentinho pela estrada chã! 
Tão ingénuo e humilde, dá-me, salvo seja, 
Dá-me até vontade de o levar à igreja, 
Baptizar-lhe a alma, prà fazer cristã! 

Toc, toc, toc, e a moleirinha antiga, 
Toda, toda branca, vai numa frescata... 
Foi enfarinhada, sorridente amiga, 
Pela mó da azenha com farinha triga, 
Pelos anjos loiros com luar de prata! 

Toc, toc, como o burriquito avança! 
Que prazer d'outrora para os olhos meus! 
Minha avó contou-me quando fui criança, 
Que era assim tal qual a jumentinha mansa 
Que adorou nas palhas o menino Deus... 

Toc, toc, é noite... ouvem-se ao longe os sinos, 
Moleirinha branca, branca de luar!... 
Toc, toc, e os astros abrem diamantinos, 
Como estremunhados querubins divinos, 
Os olhitos meigos para a ver passar... 

Toc, toc, e vendo sideral tesoiro, 
Entre os milhões d'astros o luar sem véu, 
O burrico pensa: Quanto milho loiro! 
Quem será que mói estas farinhas d'oiro 
Com a mó de jaspe que anda além no Céu!


Guerra Junqueiro
 (1850 - 1923) 
(Do livro de leitura da 4ª classe de 1951)


Este vídeo tem alguma graça...



sábado, março 19, 2016

Natália Correia "Núpcias químicas" do disco "Improviso"




Neste dia da poesia, o blogue quer homenagear Natália Correia com o seu belo poema alquímico Núpcias Químicas, agora em áudio, dito por ela mesma.

Natália Correia*‎- "Núpcias químicas" do disco "Improviso" (LP 1973)

quinta-feira, fevereiro 18, 2016

Li este poema em criança num livro para meninas, sei de cor a tradução, recordo-a frequentemente, mas só hoje consegui encontrar o original. Era assim: a manhã radiosa já passou / todo o seu ouro puro consumiu/ densas sombras de um dia moribundo / mais uma vez se arrastam...


A manhã radiosa já passou
Todo o seu ouro puro consumiu

Densas sombras de um dia moribundo
Mais uma vez se arrastam.

A nossa vida é apenas uma aurora pálida
 É o meio dia vem depressa

Oh Cristo, quando tudo terminar
Conduzi-nos ao Porto 


The radiant morn hath passed away,
and spent too soon her golden store;
the shadows of departing day
creep on once more.

Our life is but an autumn sun,
its glorious noon how quickly past!
Lead us, O Christ, our life work done,
safe home at last.

O by thy soul inspiring grace
uplift our hearts to realms on high;
help us to look to that bright place
beyond the sky.

Where light, and life, and joy, and peace
in undivided empire reign,
and thronging angels never cease
their deathless strain.

Where saints are clothed in spotless white,
and evening shadows never fall;
where thou, eternal Light of light,
art Lord of all.

Godfrei Thring 1864

http://cyberhymnal.org/htm/r/a/radiantm.htm


quarta-feira, dezembro 30, 2015

Um poema de Baudelaire

L'Homme et la mer
Homme libre, toujours tu chériras la mer!
La mer est ton miroir; tu contemples ton âme
Dans le déroulement infini de sa lame,
Et ton esprit n'est pas un gouffre moins amer.
Tu te plais à plonger au sein de ton image;
Tu l'embrasses des yeux et des bras, et ton coeur
Se distrait quelquefois de sa propre rumeur
Au bruit de cette plainte indomptable et sauvage.
Vous êtes tous les deux ténébreux et discrets:
Homme, nul n'a sondé le fond de tes abîmes;
Ô mer, nul ne connaît tes richesses intimes,
Tant vous êtes jaloux de garder vos secrets!
Et cependant voilà des siècles innombrables
Que vous vous combattez sans pitié ni remords,
Tellement vous aimez le carnage et la mort,
Ô lutteurs éternels, ô frères implacables!
— Charles Baudelaire

segunda-feira, maio 26, 2014

MIL AMIGOS DO FACEBOOK

POEMA DE CAMILO CASTELO BRANCO


Amigos, cento e dez, ou talvez mais, 
Eu já contei. Vaidades que eu sentia: 
Supus que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais!

Amigos, cento e dez! Tão serviçais, 
Tão zelosos das leis da cortesia 
Que, já farto de os ver, me escapulia 
Às suas curvaturas vertebrais.

Um dia adoeci profundamente. Ceguei.
Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quasi rotos.

Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego não nos pode ver.
- Que cento e nove impávidos marotos!

Camilo Castelo Branco POEMA "AMIGOS"


MAS NESTE TEMPO AINDA NÃO HAVIA O FACEBOOK! ERAM TEMPOS ANTIGOS, EM QUE REINAVA O TÉDIO. 
TALVEZ FOSSE IGUAL, AMAS AGORA HÁ  A SOLIDARIEDADE E ETC...

PARA CAMILO, E COMO SE VÊ, 110 AMIGOS ERA O MÁXIMO IMAGINÁVEL. QUE POUCO, SE PENSARMOS NO FACEBOOK!
TUDO MUDA.

segunda-feira, maio 12, 2014

"Vem longe ainda a praia do futuro"...


"Irmãos! irmãos! amemo-nos! é a hora...
É de noite que os tristes se procuram,
E paz e união entre si juram...
Irmãos! irmãos! amemo-nos agora!"
Antero De Quental, no seu poema Tentando a Via

sexta-feira, março 21, 2014

Natália Correia

Neste dia da poesia e segundo dia de primavera, este poema de Natália Correia, dizendo que não devemos colher flores


 "Flores não colhas porém; sem nexo, se colhidas,
Vão morrer-te nos braços.
Deixa-as serem na haste o hálito da vida
Que te perfuma os passos"
                                                                       Natália Correia

sábado, dezembro 07, 2013

" A Minha cabeça está ensanguentada, mas não curvada." - Poema preferido de Nelson Mandela




Este é o poema preferido de Mandela, que lhe permitiu aguentar o sofrimento de cabeça "não curvada".
O que mostra, masi uma vez, o imenso poder da poesia, muitas vezes esquecido.

Invictus

De dentro da noite que me cobre,
Preta como a cova, de ponta a ponta,
Eu agradeço a quaisquer deuses que sejam,
Pela minha alma inconquistável.

Na cruel garra da situação,
Não estremeci, nem gritei em voz alta.
Sob a pancada do acaso,
Minha cabeça está ensanguentada, mas não curvada.

Além deste lugar de ira e lágrimas
Avulta-se apenas o Horror das sombras.
E apesar da ameaça dos anos,
Encontra-me, e me encontrará destemido.

Não importa quão estreito o portal,
Quão carregada de punições a lista,
Sou o mestre do meu destino:
Sou o capitão da minha alma.

William Ernest Henley (1849-1903)


E agora, no original

Invictus

Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll.
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul. 

quinta-feira, novembro 28, 2013

A seda azul dos dias / A seda azul das noites



A noite vai descendo lentamente, muito lentamente
Sobre esta parte da terra antes do mar,
No centro do Ocidente do mundo (conhecido)

A dádiva do repouso acaricia finalmente
As nossas cabeças inclinadas, entregues à febre do tempo

Muitos nunca vão esquecer este dia que agora acaba em sombras,
Quase todos o olvidarão para sempre

A luz desaparece lentamente, muito lentamente...
Ouvem-se as vozes, diálogos familiares, falas tranquilas do dia que assim se extingue na cidade

Ouvem-se os sons da água que corre, invisíveis cascatas, ou fontes dos jardins escondidos e dos quintais ocultos
Ouve-se o som surdo das rodas dos automóveis, cada vez mais espaçado, mais lento, na cidade que repousa

Muitos dormem


E outros partem para a aventura da noite
Podemos descansar se quisermos, podemos partir se quisermos nesta cidade noctívaga

A lua cheia e a estrela do pastor aparecem agora, tranquilamente
Lembrando-nos a placidez dos campos, das terras longe, noutras paragens

Dizem-nos que nada mudou. E que tudo muda sempre?
Que nada mudou, dizem:
- Voltamos sempre aqui, mais ou menos a esta hora. Aqui e a toda a parte...
Dizem-nos que a luz há-de vir todos os dias e todas as noites
"Para ti" - quase parecem sussurrar




- SÃO MAIS OS MORTOS DO QUE OS VIVOS - ciciamos baixinho, como se ninguém nos escutasse,

Nas trevas que se adensam, medonhas, e para cá dos montes, já quase invisíveis


- São mais os vivos - parece tranquilizar-nos a luz obscura, a escuridão tenebrosa, a claridade ambígua do luar
- Porque todos foram vivos, um dia.
E todos tiveram medo da escuridão,
Como tu

Muitos dormem!


Graciete Nobre, Julho, 2010

quinta-feira, maio 30, 2013

"PORTUGAL, vuelve al mar", de Pablo Neruda



LA LÁMPARA MARINA

PORTUGAL,
vuelve al mar, a tus navíos, 
Portugal, vuelve al hombre, al marinero,
vuelve a la tierra tuya, a tu fragancia,
a tu razón libre en el viento,
de nuevo
a la luz matutina
del clavel y la espuma.
Muéstranos tu tesoro,
tus hombres, tus mujeres.
No escondas más tu rostro
de embarcación valiente
puesta en las avanzadas del Océano.
Portugal, navegante,
descubridor de islas,
inventor de pimientas,
descubre el nuevo hombre,
as islas asombradas,
descubre el archipiélago en el tiempo.
La súbita
aparición
del pan
sobre la mesa, 
la aurora,
tú, descúbrela, 
descubridor de auroras.

Cómo es esto?

Cómo puedes negarte
al cielo de la luz tú, que mostraste
caminos a los ciegos?

Tú, dulce y férreo y viejo,
angosto y ancho padre
del horizonte, cómo
puedes cerrar la puerta
a los nuevos racimos
y al viento con estrellas del Oriente?

Proa de Europa, busca
en la corriente
las olas ancestrales,
la marítima barba
de Camoens.
Rompe
las telarañas
que cubren tu fragante arboladura,
y entonces
a nosostros os hijos de tus hijos,
aquellos para quienes
descubriste la arena
hasta entonces oscura
de la geografía deslumbrante,
muéstra-nos que tú puedes
atravesar de nuevo
el nuevo mar escuro
y descubrir al hombre que ha nacido
en las islas más grandes de la tierra.
Navega, Portugal, la hora
llegó, levanta
tu estatura de proa
y entre las islas y los hombres vuelve
a ser camino.
En esta edad agrega
tu luz, vuelve a ser lámpara:

aprenderás de nuevo a ser estrella.


Pablo Neruda, Las uvas y el viento, 1954
(Poema de Pablo Neruda em homenagem a Álvaro Cunhal e outros companheiros de cárcere)