Uma professora de português que conheço muito bem... contou-me esta história, a mim, Nadinha. E falou assim.
Tive, há uns anos, uma turma péssima de 10º ano. Muitos alunos tinham notas a português entre dois e cinco valores e quase todos tinham estas notas a matemática. No meio disto tudo, havia a Vera, uma aluna que, quando todos tinham negativa e ela tinha 17, tentava tirar 18 ou 19, tendo acabado o 12º com vintes.
No fim do ano, alguns dos piores alunos resolveram assistir às aulas de apoio que eu podia dar, gratuitamente, se tivesse "fregueses" e, a partir daí, portaram-se muito pior nas aulas, dizendo que, como iam ao apoio, já não precisavam de se esforçar mais.
Um dia, fizeram-me queixa da Vera:
- Ela tem a mania de imitar uma mula nas aulas e os professores nem desconfiam dela e ralham connosco. É claro que nós não fazemos queixa...
Perguntei-lhes várias vezes por que razão não faziam queixa e eles deram sempre boas razões, bondosas e muito solidárias, sem aparentemente se darem conta de que, ao contarem-me a mim, estavam a fazer queixa...
- Mas eu nunca ouvi esse ruído da mula. - Respondi, tentando disfarçar a vontade de rir.
- Ela nas suas aulas não imita uma mula porque gosta muito de si e está sempre a falar de si e a dizer isso.
- Mas o que é isso de imitar a mula?
- Zurra.
- Ah! Zurra?! Mas isso não é imitar um burro? - Perguntei.
- Sim, também pode ser...
- Eu já reparei que ela fica muito aborrecida quando vocês dizem asneiras ou exprimem ideias parvas, racistas, por exemplo. Não será nessa altura que ela "imita a mula"?
- Sim, talvez...
- E vocês não percebem que ela vos está a chamar burros?
- Ah! Pois é! Pode ser... Havemos de reparar quando é que ela faz isso... - iam dizendo eles entre si, muito consternados.
Eu tinha muita pena desta rapariga, caída no meio daquela cambada de ignorantes e parvos, muito enfadada, mas ela não se deixava influenciar nada por ninguém, nunca. E divertia-se à sua maneira. Um dia, no fim do ano, uma colega pediu-lhe que lhe fizesse um trabalho para me apresentar, a ver se não reprovava.
O trabalho estava invulgarmente bem redigido, mas aparecia nele várias vezes a palavra vera, com o sentido de verdadeira, autêntica, etc... a amiga também não reparou nesta assinatura... e eu não podia afirmar que fosse uma assinatura, nem tinha provas de que o trabalho não tinha sido feito por ela... de facto, o único defeito do texto era a repetição excessiva desta palavra.
Vou pedir à Vera que leia isto, a ver se é vero, pois nunca lhe contei esta "não-queixa" que os colegas me fizeram e também tive o cuidado de não a contar aos outros professores da rapariga, a não ser depois de as aulas acabarem.
Há quem chame a isto, e vem a propósito o termo: intelijumência (palavra aglutinada e derivada de jumento).
Pensando melhor, as mulas não zurram, acho eu.
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