Uma amiga minha é professora, como vocês sabem, e conta-me às vezes algumas histórias, incluindo esta, de quando trabalhou no Algarve. Vou iniciar a série "Retalhos da Vida de" uma Setôra, que inclui episódios já narrados, neste blogue, mas com link para eles..
Eu tinha uma turma do ensino secundário, com opção de Desporto. Quase todos os alunos eram jogadores da Torralta, ganhavam bem, viviam em grupo, às 6 da manhã já andavam a correr e a saltar, às 8 e meia estavam na minha aula cheios de speed, enquanto eu morria de sono da noitada da véspera...
A Torralta obrigava-os a estudar, mas não a ter resultados. Podiam chumbar todos os anos, que tudo bem.
Havia duas raparigas na turma, muito aplicadas e sossegadas, que não tinham nada a ver com os outros e um moço pouco atlético, mas filho de uma advogada e política local, o pior de todos e que me ameaçava com a mãe e com as leis da mãe. As raparigas estavam à frente e eu tentava dar aulas para elas as duas, enquanto os outros se riam, se divertiam, etc...
Tudo corria horrendamente mal, até que eu tive uma queda de tensão e de glicémia, o que me acontece muito. Fiquei pálida, com os olhos descentrados, sentei-me.
- O que é que a setôra tem?
Pela primeira vez, ficaram todos calados a olhar para mim. Disse-lhes que não era grave. Mas que eu poderia desmaiar.
- Bem, se eu desmaiar, não se assustem, estas duas meninas (as tais) ficam aqui, uma de cada lado da minha cadeira, para não me deixarem cair ao chão. Alguém que me vá buscar um café com muito açúcar. E deixem-me em paz, não chateiem. Daí a pouco, fico bem.
Saíram quase todos, as doces mocinhas ficaram ao meu lado, simpáticas e atentas. Não tardou muito, regressaram todos os rapazes. Cada um deles trazia um café quase compacto de tantas carradas de açúcar que lhe tinham deitado. Colocavam o café em cima da mesa e sentavam-se no seu lugar, a olhar para mim, muito atentos, com uma expressão muito preocupada. Como não aguentei aquela atenção inusitada, pedi-lhes que me levassem para a pastelaria mais próxima, onde todos me chamavam a "doutora do Cimbalino". Cimbalino era o termo que se usava no Norte do país (Portugal) para designar o café expresso, a máquina tinha a marca italiana La Cimbali. E ali fiquei até à aula seguinte, que fui dar. Nunca faltei a uma aula sem um forte motivo.
Um motivo muito forte, nessa época, foi que me sentia sozinha, desadaptada e esquisita. No Carnaval, meti um atestado quinta e sexta feira, para o ir passar ao Porto. Ou talvez mesmo à minha terra, não me lembro bem. Creio que já contei neste blogue a aventura do atestado, passado por um médico que nunca cheguei a ver e pela sua simpática esposa. Chamado Liberto Espinha. Deve estar neste blogue, mas não está indexado, como quase todos os primeiros posts.
Cenas dos próximos capítulos: "Os aluno miam..."