Recordo a primeira vez que saí de casa, sabendo, intuindo, que era para sempre.
Estava a fazer a mala e a chorar, pensando que, se a minha mãe fosse viva, me ajudaria a fazê-la. Já não me lembro onde tinha ido buscar esta informação. Mas não sabia o que colocar por cima, por baixo, pelos lados...
De repente, a minha avó entrou pela porta da rua, que eu não tinha deixado fechada. Por um raro momento, foi simpática e amável. Chorando também, disse:
- Sai daqui. Se a tua mãe fosse viva fazia-te a mala, assim, cabe-me a mim, que sou tua avó.
Difícil explicar por que recordo este momento tão antigo e um outro que vou contar.
Cheguei a casa de uma amiga, ou por acaso ou talvez porque me chamou, exatamente a tempo de a ajudar a fazer a mala. Ia para o hospital, para ser submetida a uma intervenção cirúrgica difícil.
Fiz-lhe a mala. Disse-lhe muitas brincadeiras para desdramatizar, ao contrário da minha avó. Afinal, eu não estava doente, eu não tinha nada de mal, apenas ia partir para sempre, como todos os seus muitos filhos tinham partido. Não era motivo para rir, era um momento solene.
Creio que, se a minha amiga ainda estivesse viva, ainda hoje me agradeceria o gesto de lhe fazer a mala rindo e brincando, como ainda hoje recordo com saudade e gratidão a minha avó e ainda a visualizo, enquanto me fazia as malas, a chorar.