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sábado, fevereiro 01, 2014

SOBRE A PRIVACIDADE. DO FACEBOOK, POR EXEMPLO

Quando falamos de privacidade das redes sociais, falamos de intimidade, claro.
A intimidade que os escritores e sobretudo os poetas, sempre expuseram "urbi et orbi".
A intimidade que tanto procuramos esconder e tanto revelamos sem querer.
A intimidade dos outros, que tanto nos faz aprender com eles e com todos e com tudo.
A intimidade, que pode ser tão inventada, tão fingida, como o fingimento poético.


Vejamos uma frase de Clarice Linspector, que trata o assunto de forma magistral, antes de existir o Facebook.



“A minha intimidade? Ela é a máquina de escrever. Sinto um gosto bom na boca quando penso.Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.Depois de certo tempo, cada um é responsável pela cara que tem.E ninguém é eu, e ninguém é você. Esta é a solidão.É uma infâmia nascer para morrer, não se sabe quando nem onde.Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.Na arte, a inspiração tem um toque de magia, porque é uma coisa absoluta, inexplicável. Não creio que venha de fora pra dentro, de forças sobrenaturais. Suponho que emerge do mais profundo ‘eu’ da pessoa, do inconsciente individual, coletivo e cósmico.Não é saudade… Eu tenho agora minha infância mais do que quando ela decorria.Não me posso resumir, porque não se pode somar uma cadeira e duas maçãs. E não me somo.O fato de ter nascido me estraga a saúde.O que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesmo.”
— Clarice Lispector.

sábado, setembro 10, 2011

Privacidade no tempo da Morgadinha dos Canaviais

Prometi continuar a falar aqui sobre o livro A Morgadinha dos Canaviais. Trata-se de um romance campesino, subgénero literário criado pela francesa George Sand. Sim, aquela que se disfarçava de homem e que teve relações amorosas com escritores e com o Lizt. E que escreveu magistrais romances campesinos.
O nosso Júlio Dinis também. O campo surge neste tipo de romance como algo de idílico, opondo-se à corrupção e artificialismo da cidade, tópico tratado na poesia desde os antigos romanos, como o poeta Horácio.
Vejamos o que noto sobre a privacidade, neste livro em que o campo é idílico e em que todas as pessoas são muito boas, como em todos os romances do autor.

O mestre escola (professor primário) percorre a aldeia à procura dum certo homem. Supõe que deve estar em casa de um outro, dirige-se para lá e ouve falar. Entra, percorre a casa, (respeitando o quarto conjugal que está tapado com uma cortina) e vai até à cozinha, onde encontra o dono da casa, embriagado, a falar sozinho. Pergunta-lhe por que está a falar sozinho e o que está a dizer. O homem explica que a esposa deu em "beata", anda atrás dos missionários e o "caldo está na horta", ou seja, os produtos para fazer o caldo ainda estão na horta, quando o caldo devia estar pronto.

Outro caso de privacidade: ler cartas faz parte da educação das crianças. A família da Morgadinha entrega várias cartas ao mestre escola para que ele escolha as mais adequadas para as crianças da família lerem. Pouco depois, ao chegara  casa, encontra outro professor que o aguarda na sala enquanto ele "janta" (almoça). Assim que se vê sozinho, o indivíduo abre a pasta, tira as cartas, lê-as e leva uma. Ninguém dá pela falta, claro e não sei o que acontece depois, pois não me lembro e ainda vou antes do meio.
A primeira vez que li, vivia eu na província e tudo me parecia quase igual ao descrito no livro. Agora...


E ainda falam da falta de privacidade da net!