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domingo, junho 07, 2020

Diário da quarentena e do desconfinamento: a eficácia que se avaria

Fúrias

Escorraçadas do pecado e do sagrado 
Habitam agora a mais íntima humildade 
Do quotidiano. São 
Torneira que se estraga atraso de autocarro 
Sopa que transborda na panela 
Caneta que se perde aspirador que não aspira 
Táxi que não há recibo estraviado 
Empurrão cotovelada espera 
Burocrático desvario 

Sem clamor sem olhar 
Sem cabelos eriçados de serpentes 
Com as meticulosas mãos do dia-a-dia 
Elas nos desfiam 

Elas são a peculiar maravilha do mundo moderno 
Sem rosto e sem máscara 
Sem nome e sem sopro 
São as hidras de mil cabeças da eficácia que se avaria

Já não perseguem sacrílegos e parricidas 
Preferem vítimas inocentes 
Que de forma nenhuma as provocaram 
Por elas o dia perde seus longos planos lisos 
Seu sumo de fruta 
Sua fragrância de flor 
Seu marinho alvoroço 
E o tempo é transformado 
Em tarefa e pressa 

A contratempo. 

Sophia de Mello Breyner

sábado, novembro 09, 2019

No centenário de Sophia: Praia

E a praia nunca mais será a mesma, depois de termos amado este poema



Praia


Na luz oscilam os múltiplos navios
Caminho ao longo dos oceanos frios

As ondas desenrolam os seus braços
E brancas tombam de bruços

A praia é longa e lisa sob o vento
Saturada de espaços e maresia

E para trás de mim fica o murmúrio
Das ondas enroladas como búzios.

Sophia de Mello Breyer

(Foto oficial da escritora)

No centenário de Sophia: Para Atravessar Contigo o Deserto do Mundo




"Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei 

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso 

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo 
Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento "
Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Livro Sexto'

(Foto oficial da escritora)

sábado, julho 14, 2007

Tempo de reflexão

Hoje não podemos falar de política. É um dia de reflexão. Acho até que devíamos fazer jejum e abstinência, etc., enfim, um retiro espiritual. Para pensar melhor. Mas só em Lisboa.

Proponho para reflexão o seguinte poema de Sophia de Mello Breyner

Exílio

Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades



in "Livro Sexto" ou "Grades"