FUNCHAL
O restaurante do peixe na praia, uma simples barraca,
construída por náufragos.
Muitos, chegados à porta, voltam para trás, mas não assim
as rajadas de vento do mar.
Uma sombra encontra-se num cubículo fumarento e assa
dois peixes, segundo uma antiga
receita da Atlântida. Pequenas explosões de alho.
O óleo flui nas rodelas do tomate. Cada dentada diz-nos que
o oceano nos quer bem,
um zunido das profundezas.
Ela e eu: olhamos um para o outro. Assim como se trepássemos
as agrestes colinas floridas,
sem qualquer cansaço. Encontramo-nos do lado dos animais,
bem-vindos, não envelhecemos. Mas já suportámos tantas
coisas juntos, lembramo-nos disso, momentos em que
de pouco ou nada servíamos (por exemplo, quando esperávamos
na bicha para doarmos sangue ao saudável gigante –
ele tinha prescrito uma transfusão).
Acontecimentos, que nos poderiam ter separado, se não nos tivessem
unido, e acontecimentos
que, lado a lado, esquecemos – mas eles não nos esqueceram!
Eles tornaram-se pedras. Pedras claras e escuras. Pedras de
um mosaico desordenado.
E agora mesmo acontece: os cacos voam todos na mesma direcção,
o mosaico nasce.
Ele espera por nós. Do cimo da parede, ilumina o quarto de hotel,
um design, violento e doce,
talvez um rosto, não nos é possível compreender tudo, mesmo
quando tiramos as roupas.
Ao entardecer, saímos.
A poderosa pata azul escura da meia ilha jaz expelida sobre o mar.
Embrenhamo-nos na multidão, somos empurrados, amigavelmente,
suaves controlos,
todos falam, fervorosos, na língua estranha.
“ Um homem não é uma ilha “
Por meio deles fortalecemo-nos, mas também por meio de
nós mesmos. Por meio daquilo que
existe em nós e que o outro não consegue ver. Aquela coisa
que só se consegue encontrar
a ela própria. O paradoxo interior, a flor da garagem, a válvula
contra a boa escuridão.
Uma bebida que borbulha nos copos vazios. Um altifalante
que propaga o silêncio.
Um atalho que, por detrás de cada passo, cresce e cresce.
Um livro que só no escuro se consegue ler.
Tomas Tranströmer
tradução de Luís Costa
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