A Susana Mendes Silva é uma artista plástica portuguesa, jovem, com obra exposta internacionalmente.
Resultante de um seu projeto artístico, mantém um blogue sobre o elevador de Santa Justa, no qual partilha impressões, sensações, emoções e recordações dos que passaram por ali, seja pelo hábito e pela necessidade, seja pelas circunstâncias das deambulações, turísticas e outras.
Santa Justa
Descobri este blogue recentemente e escrevi, de propósito, o texto que partilho agora, no Terra Imunda e no Santa Justa.
Vertigem
Sem pensar duas vezes, naquela bela tarde de verão, conduzi a minha irmã, de visita a Lisboa, pela estreita passagem que levava directamente ao cimo de elevador de Santa Justa. Pretendia surpreendê-la com mais uma das abruptas mudanças de perspectiva que a paisagem da cidade constantemente nos oferece.
Encontrámo-nos as duas, quase de repente, sobre o rendilhado de ferro que permitia ver à transparência o abismo que nos separava da rua do Ouro. Será do Ouro? A mim parecia-me ser... ou outra rua qualquer, lá muito ao fundo.
Subitamente, a minha irmã agarrou-se a mim num abraço constringente, a gemer e a contorcer-se. Perguntei-lhe o que tinha, mas ela não conseguia articular bem as palavras, enquanto, segurando-se com os braços pesadamente nos meus ombros, quase me arrastava para o chão.
- Que tens tu? Que se passa?
-Vertigens - acabei por ouvir a palavra balbuciada, tantas vezes dita por ela e tão temida.
Foi então que entendi os incompreensíveis e inúmeros relatos que ouvira desde criança, sempre que ela fazia alguma viagem. Chegada, na sua narração, ao cimo do miradouro, em vez de se entregar à descrição da esperada bela e exuberante paisagem, explodia em exclamações como estas:
- Foi horrível! Aquilo é medonho! Pensei que morria!
A minha irmã, mais velha sete anos do que eu, sempre me parecera uma mulher muito forte, até àquele momento das nossas vida e apesar dos inesperados relatos do medo que sentiu perante as mais belas paisagens que lhe foi dado vislumbrar. Quando eu era mais nova cheguei mesmo a perguntar-lhe por que razão havia sempre tanta gente fazendo filas para visitar sítios tão desagradáveis e assustadores, tremendos... Também nunca compreendi qual era a resposta a esta pergunta.
Arrastei-a com dificuldade até ao passadiço, pois as suas pernas pareciam feitas de cera mole, sem que os pés encontrassem a firmeza e a segurança dum chão onde pudessem fincar-se. Colocava-os de lado no pavimento, num completo descontrole motor. Pálida como a mesma cera e com os olhos, ora cerrados para não verem a distância, ora voltados na minha direcção, esgazeados e quase em branco.
Chegámos finalmente a um chão de terra, tosco, tendo ao lado do caminho uma grande pedra onde consegui sentá-la. Habituada à situação, no espaço de poucos minutos recuperou a compostura e a boa disposição, levantou-se muito bem e assim prosseguimos a nossa deambulação turística, pela cidade que escolhi para viver e que muito amo.
Quando vi o seu desafio de oferecermos as nossas recordações, ocorreu-me que o elevador nunca tinha tido para mim nenhum significado especial. Foi então que me lembrei disto. E de todo um passado a ouvir, à mesa enquanto jantávamos, nos dias comuns, incompreensíveis narrações de acontecimentos como este, escutadas por toda a família com muita atenção, num silêncio perplexo.
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