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sexta-feira, julho 19, 2019

Novos pobres e novos ricos

Era vulgar, há uns anos, lamentar os pobres portugueses de antigamente por só comerem metade de uma sardinha, alguns só a cabeça. Acompanhavam-na com batatas ou com pão, normalmente.
Hoje em dia, os ricos vão a um restaurante gourmet comer apenas os miolos de uma sardinha (não a cabeça toda), misturada com um bocadinho de pele de frango ( ouvi, numa entrevista, um cozinheiro gourmet a dizer que só utiliza a pele de frango por ser a parte mais saborosa, mas vejo algumas pessoas, os pobres, , no supermercado, pedir para tirar a pele toda). Como sobremesa, metade de um morango com umas gotas de mel é um spray de qualquer coisa, mais um risco castanho no prato, que parece chocolate, mas não se pode lamber. É meio copo de vinho, tudo isto por uma fortuna.
Os pobres atuais comem algumas sardinhas, muitas batatas, etc, daí que sejam gordos, ao contrário dos ricos, quase tão magros como os pobres antigos. 

Lol

sexta-feira, março 02, 2018

Oh, Como era bela, a miséria!







Hoje em dia, já não há jumentinhas, muito menos moleirinhas. Tanto que, o corretor ortográfico nem considera que existam essas duas palavras.
Felizmente, nos países europeus nossos conhecidos, já nem existe miséria, no verdadeiro sentido da palavra. Não há velhinhas muito velhas a arrastarem-se pelas estradas e caminhos da terra. O que nos leva a estarmo-nos nas tintas para os outros continentes.

A não ser quando visitamos países remotos: que giras aquelas aldeias de palha sobre rios e lagos, com um gentinha a comer peixes quando os há... ou no cume das serras, casas tão pequeninas e tão giras!

Que giro!


A Moleirinha 


Pela estrada plana, toc, toc, toc, 
Guia o jumentinho uma velhinha errante 
Como vão ligeiros, ambos a reboque, 
Antes que anoiteça, toc, toc, toc 
A velhinha atrás, o jumentinho adiante!... 

Toc, toc, a velha vai para o moinho, 
Tem oitenta anos, bem bonito rol!... 
E contudo alegre como um passarinho, 
Toc, toc, e fresca como o branco linho, 
De manhã nas relvas a corar ao sol. 

Vai sem cabeçada, em liberdade franca, 
O jerico ruço duma linda cor; 
Nunca foi ferrado, nunca usou retranca, 
Tange-o, toc, toc, moleirinha branca 
Com o galho verde duma giesta em flor. 

Vendo esta velhita, encarquilhada e benta, 
Toc, toc, toc, que recordação! 
Minha avó ceguinha se me representa... 
Tinha eu seis anos, tinha ela oitenta, 
Quem me fez o berço fez-lhe o seu caixão!... 

Toc, toc, toc, lindo burriquito, 
Para as minhas filhas quem mo dera a mim! 
Nada mais gracioso, nada mais bonito! 
Quando a virgem pura foi para o Egipto, 
Com certeza ia num burrico assim. 

Toc, toc, é tarde, moleirinha santa! 
Nascem as estrelas, vivas, em cardume... 
Toc, toc, toc, e quando o galo canta, 
Logo a moleirinha, toc, se levanta, 
Pra vestir os netos, pra acender o lume... 

Toc, toc, toc, como se espaneja, 
Lindo o jumentinho pela estrada chã! 
Tão ingénuo e humilde, dá-me, salvo seja, 
Dá-me até vontade de o levar à igreja, 
Baptizar-lhe a alma, prà fazer cristã! 

Toc, toc, toc, e a moleirinha antiga, 
Toda, toda branca, vai numa frescata... 
Foi enfarinhada, sorridente amiga, 
Pela mó da azenha com farinha triga, 
Pelos anjos loiros com luar de prata! 

Toc, toc, como o burriquito avança! 
Que prazer d'outrora para os olhos meus! 
Minha avó contou-me quando fui criança, 
Que era assim tal qual a jumentinha mansa 
Que adorou nas palhas o menino Deus... 

Toc, toc, é noite... ouvem-se ao longe os sinos, 
Moleirinha branca, branca de luar!... 
Toc, toc, e os astros abrem diamantinos, 
Como estremunhados querubins divinos, 
Os olhitos meigos para a ver passar... 

Toc, toc, e vendo sideral tesoiro, 
Entre os milhões d'astros o luar sem véu, 
O burrico pensa: Quanto milho loiro! 
Quem será que mói estas farinhas d'oiro 
Com a mó de jaspe que anda além no Céu!


Guerra Junqueiro
 (1850 - 1923) 
(Do livro de leitura da 4ª classe de 1951)


Este vídeo tem alguma graça...



segunda-feira, julho 02, 2012

"Coração de vidro cortei-me num sonho como um diamante"

- Gostaria de ajudar as crianças com cancro?
- Não gostaria de ajudara as crianças orfãs?
- Gostaria de ajudar os portugueses / africanos / chineses / que passam fome?

A resposta  a estas perguntas, neste momento, diferentemente do que era há meses, só pode ser:
- Não!
- Não?!

Aqui em Lisboa, fazem esta pergunta vinte vezes por dia, a quem passe em certos locais várias vezes, para além de nos assediarem de outros modos, ainda mais originais:
- Posso cumprimentá-la de mão? - Perguntam-nos, estendendo a mão, com um enorme sorriso. É para nos proporem um cartão de crédito que todo o mundo já tem.
Vem-nos logo à ideia: nunca se nega um aperto de mão (bem, a não ser num caso de grave ofensa).
E a única conclusão, sempre, parece ser:
- Esqueçamos tudo o que aprendemos até agora!
-Não!
- Mas eu só quero apertar-lhe a mão!

Mesmo que acabasse por ceder, vou voltar a passar no mesmo lugar ainda umas 3 vezes na próxima meia hora e ele vai perguntar-me sempre a mesma coisa, de mão estendida.

E o nosso coração fica cada dia mais duro. E o nosso relacionamento com os outros cada vez mais gelado.


A resposta não às primeiras perguntas deste post não é a resposta certa, mas sim: 
- Gostaria de ajudar, mas já ajudei e, além disso, não tenho tempo agora para parar e ouvir o seu arrazoado, até porque já hoje me perguntaram isso 5 vezes. Resumindo:
-NÃÃÃOOOOO!!!

P.S.: O título deste post é um verso de Natália Correia do poema Núpcias Químicas  (Clicar por cima) "Coração de vidro cortei-me num sonho como um diamante"

terça-feira, março 06, 2012

A miséria: esse país recôndito





VER AQUI

Uma minha amiga que é professora de Português do Ensino Secundário, estando a lecionar a peça Felizmente há luar!, apesar dos pesares de não ser grande obra, expõe, naturalmente, aos alunos, a temática tratada, relacionada com  a ditadura salazarista. Conta-me o seguinte:

Ao falar hoje aos meus alunos sobre as deficitárias condições das pessoas na ditadura salazarista, homens trabalhando de sol a sol com 7 filhos, passando fome, eu mesma tive a noção da irrealidade. Terá sido mesmo assim? - quase me perguntei, quando me perguntaram se estava a gozar. Ou a exagerar.
Os meus alunos são de direita, muito religiosos, muito cristãos.
Custa-lhes a  crer e quando crêem ficam tristes.
Eu também. Sobretudo quando me lembro de que, em muito países do mundo, ainda hoje é igual, ou talvez até muito pior.

E também arrepia pensar que, se calhar, os pobres do hemisfério norte estão, de certa forma, protegidos.  Os pobres do sul sempre foram mais pobres. Talvez por serem mais escuros... 

quarta-feira, dezembro 14, 2011

Natal em Lisboa




Um sono tranquilo...
Foi uma das coisas que mais me impressionou, negativamente, quando vim viver para Lisboa. Tantas pessoas a dormir na rua como nunca tinha visto em lado nenhum.
Agora entendo que uma cidade como Lisboa atrai tudo. Muitos ricos, muitos pobres, a riqueza e a miséria... 
Até mesmo aves exóticas.

Não é bom e é mau, mas neste aspeto, como em outros, Lisboa distingue-se pela positiva, enfim, por contraste com outras cidades, por exemplo, Paris. Não acreditam? Vejam!


Paris bane pedintes de zonas comerciais e locais turísticos

domingo, dezembro 19, 2010

Novos pedintes


Tenho-vos contado aqui sobre os novos pedintes que há agora em Lisboa, ainda recentemente encontrei um que passava recibo, mas protestou por lhe ter dado menos de 5 Euros...
Estes, da foto, são ultramodernos. Estão de passagem por Portugal e até têm site na Internet e blogue. 
Vi-os no Jornal I. 
Instalaram-se numa rua de Lisboa, onde dormem, mudam-se para outra onde pedem, com cartazes separando as esmolas: para comida, para álcool, para charros, para drogas pesadas... as pessoas acham-nos muito sinceros e ajudam muito. Intitulam-se como lazy beggars, isto é, pedintes preguiçosos.


P.S.: Vi-os ontem em Lisboa (15 / 6 / 2012). Não tirei foto porque pensei que já tinha, mas esta não é minha.

domingo, outubro 26, 2008

Os Novos Pobres

Já aqui escrevi alguns posts em que ironicamente comentava a existência de novos pobres, ou mesmo novos pedintes, por contraste com os novos ricos.
Referia-me a um tipo de pessoa que não gosta de trabalhar e que vive da abastança da nossa sociedade: homens que nos aparecem de calções, vindos da praia e pedem esmola para irem para casa de comboio...

Agora, mais recentemente há uns novos pobres que não dão nenhuma espécie de vontade de rir: pessoas com alguma idade, parecem ter trabalhado toda a vida, mas talvez o que têm não chegue. Há vários aos fins-de-semana, à entrada e saída das Amoreiras.
Quando damos, respondem qualquer coisa assim, embora às vezes com certo ar de indisfarçável e justificável inveja:
- Deus lhe acrescente o que lhe fica!
- Deus lhe dê tudo o que deseja!
Dá vontade de responder assim:
- Se Deus ouvisse o que lhe pede, você não estava aí a pedir.
Não, não devemos responder isto, a resposta certa é:
- Obrigada!
Afinal, é o mesmo que desejar feliz Natal ou boas férias, um desejo simpático...

sexta-feira, dezembro 21, 2007

Novos Pedintes

Outra nova maneira de pedir, esta bem mais sofisticada, é a seguinte: na entrada secundária de um centro comercial que frequento, posta-se um indivíduo com bom aspecto. Abre a porta com toda a etiqueta a quem vai a sair ou a entrar e tem na mão um belo exemplar de chapéu de coco. Não pede nada, apenas abre a porta, o que às vezes faz jeito. Se colocamos dinheiro no chapéu, agradece polidamente, se apenas agradecemos, agradece também.

Quando este senhor não está lá, às vezes aparece um imigrante, que em vez do chapéu de coco tem um copo de plástico que chocalha constantemente, enquanto se lamenta alto e bom som. Fraca imitação do primeiro, não creio que ganhe a décima parte.

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Os Novos Pedintes

Tenho escrito aqui alguns textos sobre Os Novos Pedintes. Se escrevo num tom irónico, não é por ignorar que "os novos pobres" são uma nova e lamentável realidade social, mas por me parecer que estes pedintes só poderiam sobreviver numa sociedade abastada, tolerante e generosa, embora não consideremos normalmente assim aquela em que vivemos. É também por pensar que muitos deles resultam da insustentável preguiça, que também é o fruto da sociedade em que vivemos. De facto, no passado já houve "novos pobres" que tinham sido nobres, burgueses, etc...


Acho graça aos mil e um estratagemas de que se servem as pessoas para pedir, como já aqui referi alguns.


Noutro dia, ao chegar a casa, uma senhora de muita idade chama-me de uma janela. O edifício tem um ar algo imponente, de ter sido, talvez no passado, uma casa rica e talvez mesmo agora.


- Por favor, menina, ajude-me!
- Claro, com certeza. Diga.
- Eu deixei cair um euro e preciso muito dele porque a minha vizinha foi-me comprar uma coisa e agora, quando ela vier, tenho de lhe pagar. Eu sei que um euro é pouco dinheiro, mas para mim é muito importante. Eu não posso ir lá dentro buscar dinheiro, porque não posso caminhar...
A meio desta fala, a senhora começou a chorar. Comecei a procurar entre as pedras da calçada à portuguesa, perto do caixote do lixo, junto do asfalto...
- Ora veja ali!
- Ora veja atrás do caixote do lixo!
Farta de procurar e sem me apetecer continuar com aquilo, tirei um euro da carteira, fingi que o apanhava do chão e disse:
- Ah, cá está o seu euro! Encontrei!
Incrédula e divertida já, diz-ma a criatura:
- Mas tem a certeza de que encontrou esse euro aí?
- Tenho.
- A sério? Ah ah ah! Parece impossível. Esse euro estava aí?

Não foi a primeira vez que fiz figura de parva e espero bem que não tenha sido a última, pois gostaria de viver ainda mais uns anos largos.

Sendo assim, lá fui para casa a pensar:


- Bem, este truque resultou. Aposto que a velhota vai voltar a tentá-lo com outras pessoas que passem por aqui. Vejo-a lá às vezes, mas para já, tenho passado ao largo.