sábado, janeiro 25, 2014

Uma galinha de capa e batina é apenas uma galinha de capa e batina






No tempo em que fui estudante universitária da licenciatura, logo após o 25 de abril, não havia trajos académicos nem praxes nem queima das fitas. 

A ideia, perfeitamente lógica e atual, é que os estudantes universitários eram privilegiados, eram mesmo uma minoria da população, e já não vivemos em tempo de exibir privilégios.

Nos meus últimos anos de estudante, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, houve uma tentativa de, ia dizer reintrodução, mas na verdade tratava-se de introdução na Universidade do Porto, de uma alegada "tradição", que nunca lá tinha existido, importada de Coimbra.

Participei nas manifestações que se realizaram contra esta atitude: uns 30 estudantes, mascarados, ou assim nos parecia, mascarados de estudantes, a desfilar no meio de um corredor de estudantes "à paisana", ou seja, vestidos com a sua própria roupa, rica, pobre ou remediada. Houve insultos, houve mesmo quem  atirasse pedras, mas o cortejo ia protegido por brigadas da PSP. Na verdade, eram mais polícias do que estudantes da parte de dentro do cortejo. O que é significativo: foi necessária  polícia para proteger dos estudantes "tout court" os que se exibiam e gabavam de serem estudantes. E que talvez nem fossem. Não é por se ter uma capa que se é estudante. E muito menos um estudante bom.

E talvez resida aí a questão: para a mentalidade portuguesinha, andar de capa e batina, símbolo do estudante, é quanto basta, não importa se se é bom, mau, ótimo, ou Fake.

Lembro-me também de um rapaz que passeava uma galinha pela Faculdade de Letras do Porto, com um fio amarrado ao pescoço e uma capa preta por cima das asas. Nunca esqueci este detalhe, até porque foi a primeira e última vez que vi esse rapaz, tão discreto que não se reparava nele.

Esta imagem da galinha de capa preta de estudante, amarrada por um fio, a seguir um estudante que era contra a praxe, traduz bem a atual "tradição académica", tradição que nunca existiu, a não ser em Coimbra e que lá, era obsoleta, já há muito tempo.


A submissão, o seguidismo, o não resistir à humilhação, o ser reconhecido por coisa nenhuma, só pela aparência, o copiar descaradamente, ou apresentar trabalhos plagiados ou feitos por outros, ou mesmo comprados, estas são de facto caraterísticas da tradição académica portuguesa, no seu pior. E da tradição laboral portuguesa, que assim começa, de forma vergonhosa. 


Não tenho fotos do evento que narro, mas devem existir. 


Este artigo de Pacheco Pereira explica com mais detalhe as lutas, no Porto, contra o retomar da "tradição":  "A abjecção das praxes"

 

Também interessante o de Vaco Pulido Valente: Praxes: igual à máfia?"(VER AQUI)

(Muitos comentários feitos a esta última crónica por estudantes portugueses em universidades inglesas afirmam que lá não existe nada disto, antes uma integração através de eventos desportivos e culturais, relacionando o estudante com colegas dos outros cursos e integrando-os, ao mesmo tempo que se promove a  cultura.)



quinta-feira, janeiro 23, 2014

Caro visitante do blogue: se gosta, fique.
Existem várias maneiras de ficar: tornando-se seguidor no Google, para o que deve criar um perfil, se não tiver um, ou através do facebook. Aqui no Blogue, ou na página do blogue do Facebook.

"Não há nada mais supersticioso que os políticos, até mesmo os ateus, que vão à bruxa em vez de ir a Fátima”,

Eduardo Lourenço acredita que uma revolução "eufórica e democrática" ajudaria a sair da crise

O nosso maior filósofo? Único filósofo? Maior de dois, maior de três? Enfim, acredita na revolução.



quarta-feira, janeiro 22, 2014

Time Sharing no Purgatório

QUER PASSAR MENOS TEMPO MO PURGATÓRIO? VÁ A GUIMARÃES!
PRONTUS! Se formos passear por Guimarães, ficamos menos tempo no Purgatório. É tudo uma questom de Time Sharing!

Papa concede indulgência plenária perpétua ao Santuário da Penha, em Guimarães


Corrupção na Casa Fernando Pessoa? Será?


Se isto for verdade, eu fico dececionada, o que raramente me acontece. 
Porque a Inês Pedrosa é a melhor coisa, ou mesmo a única coisa, que apareceu, até hoje, na Casa Fernando Pessoa. 

Ou, então, confesso que já constatei: os portugueses sem ambição pouco fazem, ao passo que os vigaristas fazem tudo e tudo comem. 
Especificando: há o português videirinho, que faz pela vida e realiza qualquer coisita e o português honesto e correto, que pouco faz. 
Salvo honrosas exceções, claro.

Casa Fernando Pessoa adjudica serviços a empresa com escritório na residência da sua directora 

Esperemos que não seja verdade. E se for, o que acontecerá? Provavelmente, nada.

terça-feira, janeiro 21, 2014

SÓ SOBREVIVE QUEM É DO SEU TEMPO? OU CONTINUA A VIVER NO TEMPO DOS OUTROS

ÀS VEZES LEMBRO-ME DE UMAS VELHAS MUITO VELHAS QUE HAVIA NA MINHA PEQUENA TERRA QUANDO EU ERA MUITO JOVEM. 
VELHAS POR IDADE E POR ATITUDE. COM UMA MENTALIDADE HORRENDA. 
QUE PENSARIAM ELAS DA CO-ADOÇÃO, DA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO, DO FACEBOOK, ETC? 

ELAS QUE ERAM CONTRA A MINI-SAIA, O BIKINI E CONTRA FUMAR, QUE ERA, À ÉPOCA, APARENTEMENTE, UM DIREITO. UM DIREITO DA MULHER. E POR ISSO EU FUMAVA. 

ALGUMAS AINDA ESTÃO VIVAS. SERÁ QUE MUDARAM DE ATITUDE? SERÁ QUE AS DESATUALIZADAS MORRERAM E QUE SOBREVIVERAM AS OUTRAS? INCLINO-ME PARA ACREDITAR NISTO. 

UMA DAS POUCAS COISAS QUE EU APRENDI NESTA P. DESTA VIDA, FOI ESTA: 


SÓ SOBREVIVE QUEM É DO SEU TEMPO.

OU SEJA : QUANDO ALGUÉM PROFERE ESTAS PALAVRAS : "NO MEU TEMPO", QUER DIZER QUE CONTINUA VIVO, SIM, MAS A VIVER NO TEMPO DOS OUTROS.


segunda-feira, janeiro 20, 2014

Claudio Abbado R. I. P.





Para celebrar a vida de Claudio Abbado, que agora morreu, aqui fica a extraordinária abertura da ópera La Gazza Ladra de Rossinni, dirigida por este maestro. 

Gazza é, em italiano, uma pega, uma ave que rouba objetos brilhantes. 

Argumento: uma jovem e bela criada, Ninetta, é acusada de ter roubado uma colher de prata e condenada à morte, mas, no momento em que é conduzida ao cadafalso, um jovem olha para o ninho de uma pega e vê-a com a colher de prata no bico. Asolvida, Ninetta casa com o rapaz que a libertou.
É uma ópera "semi-séria".

A abertura das óperas de Rossini vale só por si, sendo tocada separadamente, em concertos, como esta.

Notícia da morte de Claudio Abbado

Morreu Claudio Abbado, o maestro que desenhava a música com os dedos

Entrevista com o Maestro, em língua espanhola.


domingo, janeiro 19, 2014

Lisboa: entardecer de inverno







O navio é o Saga Ruby, que foi impedido de prosseguir viagem devido às condições atmosféricas e ao estado do mar, enquanto o navio Funchal nem conseguia chegar a Lisboa, tendo tentado, sem o conseguir, aportar a Portimão. Isto passou-se há 15 dias.
O gatinho tem tanto medo das pessoas, das máquinas fotográficas e da fotógrafa, que até fecha os olhos de meiguice. Ao lado dos vasos que mobilam a rua.

quarta-feira, janeiro 15, 2014

LOL Assalto verdadeiro, que parece anedota

Uma minha amiga anda deprimida e triste por causa de um assalto que lhe fizeram em casa. Mas o que mais a entristece é toda a gente se rir às gargalhadas quando ela começa a contar a história.
Então, vejamos o que sucedeu. A senhora foi jantar fora com toda a família, deixando em casa os vários gatos que tem, as tartarugas e o cão Dobermann de um amigo, um cão treinado que sabe fazer muitas coisas. Enorme.

Quando regressou a casa, já tarde da noite, reparou que as luzes estavam todas acesas e que havia um homenzarrão espapaçado no sofá da sala, a ver televisão e a ler revistas. Neste ponto da narração, indignada, ela exclama:
- Sentado no meu sofá, recostado nas minhas almofadas, a ler as minhas revistas - profere, acentuando muito o i da palavra "minhas".
Furiosa, entra pela porta dentro, sem pensar sequer em ter medo e, logo no hall, ouve um outro homem a gritar por socorro dentro da despensa. Vai ver o que é... é o outro ladrão.

O que se passou, então, foi que o cão usou todas as técnicas que lhe foram ensinadas e não os deixou sair. O da despensa teve medo e escondeu-se, o outro aproveitou para ver televisão e ler revistas, enquanto esperava que a dona da casa viesse enxotar o bicho e libertá-los.

Uma vizinha chamou a polícia, que os revistou e os levou para a esquadra. Isto porque a minha amiga, de tão zangada, só protestava e nem lhe passava pela cabeça fazer mais nada. Por isso e porque é professora, habituada a ralhar em vão, sem fazer mais nada que não seja ralhar...
E , de repente, pasa-se e desata aos pontapés ao rapaz, arranhou-o o todo, não com as unhas, que tem cortadas, mas talvez com so anéis.

No dia seguinte foram todos presentes à juíza de instrução, a qual teve muita pena dos dois homens, afirmando que eram inimputáveis e que, lamentavelmente, não havia ninguém que se preocupasse com eles.
- A culpa é sua, que tem uma casa grande demais e com três portas para a rua, uma tentação para os assaltantes!
A minha amiga irritou-se muito com isto, respondeu iradamente e foi logo acusada de desrespeitar as autoridades.
- Você até teve muita sorte por eles não estarem armados - continua a  juíza.
- Não é bem assim, senhora doutora juíza, - respondeu ela, procurando falar calmamente - porque eles até destruíram o meu lava loiças com uma grande faca de ponta em mola, mas, ao fugirem do cão, deixaram-na cair ao chão e ela ficou na  cozinha. E também destruíram tudo que eu tinha na despensa, incluindo a  comida dos meus gatinhos, que espalharam por todo o lado. Tenho a casa toda imunda e fiquei sem mantimentos.
Neste momento, a juíza chama a empregada doméstica para lhe perguntar se ela não costuma usar aquela faca de ponta em mola para cozinhar!
- Claro que não, senhora doutora juíza! Então a senhora doutora juíza acha que alguém usa uma faca de ponta em mola para descascar batatas?
Vencida mas não convencida, a magistrada insiste:
Você é uma mulher violenta. Coitado do rapaz, que ficou todo arranhado! Ele vive à custa de 365 Euros que o estado lhe paga por mês! Coitadinho! E muita sorte teve você por não terem sido reportadas armas de fogo! Senão, até podia ter morrido!

É então que o principal "suspeito", aquele que estava na sala, tira uma pequena pistola do bolso de trás das calças e diz:

- Eu, por acaso, até tenho aqui a minha canhólas!

Estupefacta, a minha amiga levanta-se, e, dirigindo-se ao polícia, pergunta-lhe, fora de si:
- Então o homem passou a noite toda na esquadra, com uma  pistola no bolso? Então e o senhor, quando o revistou, como é que não viu uma pistola? No bolso!!! Uma canhólas???

- Eu ver vi - Responde o polícia, mas é que me pareceu uma pistola de plástico, daquelas de brincar... Nunca me passou pela cabeça que aquilo fosse uma pistola a sério!!!

Nova gritaria da minha amiga, furibunda, danada, fora de si, que é novamente acusada de desrespeito às autoridades e ameaçada.
- Eu vou fazer queixa de si! Ouviu?!!! - Diz ela.
- Se fizer queixa deste senhor polícia, a senhora vai ser responsável pela perda de mais um posto de trabalho, neste nossa sociedade em crise. Não se sente culpada? - Pergunta a juíza.

- Culpada? Eu???!!!

E assim acabou o inquérito e lá foram todos, muito descansados, para suas casas, incluindo os dois assaltantes, que saíram em liberdade.

Só a minha amiga é que está bastante arranhada, porque um dos seus muitos gatinhos teve medo do cão e dos ladrões e voltou-se contra ela. Esgadanhou-a toda, nos dois braços, que ficaram em ferida e em sangue. Mas ela defende-o:

- Coitadinho do gatinho, teve tanto medo!!!

Vejo-a de longe. Evita as pessoas, fica sozinha e ensimesmada, ostentando um ar infeliz, desorientado, acabrunhado. E tem razão. Qualquer um de nós se sentiria da mesma maneira, se estivesse no lugar dela!

Só se riu pela primeira vez, quando eu lhe consegui despertar o sentido de humor, já muito embotado e esquecido. Só quando eu lhe pedi que contasse a história, pela terceira vez consecutiva, a outras pessoas, é que desatou, finalmente, a rir às gargalhadas. Apesar da dor das arranhadelas.
É o bem de conviver com muita gente!


Cenas dos próximos capítulos (tudo em verdade): A minha amiga, que nunca falta o trabalho, faltou duas vezes uma porque foi assaltada, outra porque é chamada para assinar um documento, segundo o qual, o caso foi arquivado.
No dia seguinte, os dois rapazes assaltaram um aoutra casa, foram presentes a um outro juiz de instrução, um homem, que os considerou culpados.
E por esse motivo desencerrou o processo que tinha sido encerrado.

quinta-feira, janeiro 09, 2014

Você sabe quem é a criatura que dá nome à sua rua?

Rua Ferreira Borges, Mercado Ferreira Borges, Escola Ferreira Borges. Sabem quem é esta criatura, Ferreira Borges? É necessário renomear as ruas e os sítios das nossas cidades.

Muitas das nossas ruas têm nomes que eram importantes há cerca de 100 anos, como hoje existem nomes importantes nas revistas Caras e VIP. Hoje, toda a gente sabe onde fica determinada rua, mas ninguém sabe quem é a criatura que lhe deu o nome.

No Porto, quem não sabe o que é o Mercado Ferreira Borges? E em Lisboa, muitos estudaram ou trabalharam na Escola Secundária Ferreira Borges e conhecem bem a Rua Ferreira Borges. Hoje, a Escola Ferreira Borges já não existe. Fundiu-se com a escola Rainha Dona Amélia. A própria Rainha Dona Amélia é uma figura pouco relevante da nossa história, a que os americanos chamariam "looser" :)
E quem sabe quem foi essa criatura, Ferreira Borges? Resposta: foi um jurista da 1ª República, que escreveu o primeiro código comercial português. Decalcado, evidentemente, do código comercial francês e muito diferente do inglês.
Aliás, os nossos códigos de leis têm muito que se lhes diga. Como quando uma corveta portuguesa capturou piratas mas teve de os libertar, porque a lei portuguesa não contempla a pirataria, considerando-a coisa do passado remoto. Ou como quando um "crime" informático não existe, ou não existia há uns anos, por não estar nos códigos de leis, que não previam modernices.
A justiça anglo-saxónica vai pelos princípios e nunca tem destes entraves.

Vamos ter uma Avenida Eusébio? Muito bem. E alguém sabe onde ficam as ruas Sophia de Mello Breyner ( não existe em Lisboa) , Rua Natália Correia, um beco, Rua José Saramago, Rua Eça de Queirós, Rua Camilo Castelo Branco, Rua Cesário Verde, um dos poetas de Lisboa...

Você sabe quem é a criatura que dá nome à sua rua?

Já morei, em Lisboa, nas ruas: Engenheiro António Maria Avelar (um beco giríssimo, um nome tão grande, uma rua tão pequena...) General Pimenta de Castro...  não me lembro das outras, mas depois digo.





quarta-feira, janeiro 08, 2014

Talvez não exista outra beleza nos seres, a não ser a beleza interior.





Qual é a diferença entre este maravilhoso gato, que encontrei numa rua ao pé do Castelo de S. Jorge e que nos desperta tanta simpatia e qualquer outro gato de pelo cinzento trigado e, realmente, muito vulgar (?).

Resposta possível: os gatos também parecem ter beleza interior. 

Talvez não exista outra beleza nos seres, a não ser a beleza interior.

DESENTERREMOS OS MORTOS.

DESENTERREMOS OS MORTOS.
ENTERREMOS OS VIVOS.
DESTERREMOS OS OUTROS VIVOS MAIS JOVENS: OS JOVENS -  PARA BEM LONGE!


DESENTERREMOS OS MORTOS. POR EXEMPLO, O EUSÉBIO. PARA OS ENTERRARMOS NOUTRO SÍTIO. EM FUNÇÃO DOS NOSSOS INTERESSES.

DESENTERREMOS OS MORTOS. POR EXEMPLO, O EUSÉBIO.

EXPLOREMOS OS APOSENTADOS. ROUBEMOS TUDO ÀQUELES QUE AINDA NÃO SE APOSENTARAM. DESEMPREGUEMOS OS EMPREGADOS.
DESENTERREMOS OS MORTOS. PARA OS ENTERRARMOS NOUTRO SÍTIO. EM FUNÇÃO DOS NOSSOS INTERESSES.


(Após a sessão contínua do"enterro" de Eusébio, fiz uma profecia: depois de o enterrarem, vão desenterrá-lo e enterrá-lo outra vez.) O jeito que nos dão estes eventos! Cavaco disse que o amava, todos o amaram...


segunda-feira, janeiro 06, 2014

O Bairro do Castelo e o Café do Elétrico 28














Tudo isto fica no mesmo sítio.
Um café que imita o elétrico 28 e que se chama Elétrico 28, a igreja de Santa Cruz do Castelo com aquela imagem à entrada, esta muralha do Castelo e entrada para o mesmo, aquelas casas e o gatinho que se deixa fotografar de olhos fechados, sem qualquer receio, embora não se deixe tocar.

Para chegar lá é necessário passar por um sítio que parece privado e não é. a entrada para um restaurante com plantas, com um arco por cima.

Para quem não sabe, o elétrico 28 é o elétrico mítico de Lisboa, ainda antigo, que atravessa o centro histórico da cidade. Há outras referências a ele neste blogue.

domingo, janeiro 05, 2014

Procissão de Nossa Senhora da Pobreza













Descobri hoje por acaso esta procissão, uma das quatro que se realizam na zona do Castelo de S. Jorge.
Nossa Senhora da Pobreza. Seguiu-se uma missa, quase toda cantada, com quase toda a gente a cantar, muito bem. Nesta igreja de Santa Cruz do Castelo. Muitas pessoas saem durante a missa, talvez por serem turistas. 

Segundo uma senhora, chamada Gabriela Jorge, as procissões que se realizam dentro da zona do Castelo são as seguintes

Hoje: Procissão de Nossa Senhora da Pobreza
Auto da Paixão (representação teatral) 6ª Feira da Paixão.
Procissão de São Jorge, que se vai encontrar com a Procissão de Nossa Senhora da Saúde, 1º Domingo de Maio.
Procissão de São Jorge e Santa cruz, também chamada de São Jorge pequeno. É a maior. leva 11 andores. Último domingo de ---(talvez de maio).


Eu ia ver só o presépio da Sé e um café que imita, na decoração, o elétrico 28 e que se chama Elétrico 28. Mesmo ao pé desta Igreja. Depois ponho essas fotos.


quarta-feira, janeiro 01, 2014

Feliz 2014: votos de alegria, abundância e felicidade




Desejo um Feliz 2014 aos meus leitores frequentes. A todos nós e aos que por aqui passarem.

Que haja paz e concórdia entre as pessoas e entre as nações.

Que sejam benditos todos os deuses.

Que sejam abençoados todos os crentes e também os ateus, mesmo contra a sua vontade :)

Que a religião não seja jamais fator de discórdia, mas de união entre os povos. Acreditar no invisível é comum entre os religiosos de toda a Terra.

Que o Papa Francisco consiga transformar radicalmente a religião católica. Extirpando-a dos vícios da direita, do poder, da corrupção e da ilusão de superioridade sobre as outras.

Ofereço-vos a última versão, até agora, do meu presepinho:). Com Buda, Shiva, Cristo, Maria e José. E o povão e os reis Magos, que só deveriam chegar a 6 de Janeiro, mas chegaram quando eu os comprei .

Como dizia ou escrevia Natália Correia: "Tanto faz Buda ou Alá".

Que a roda da vida nos traga alegria, abundância e felicidade. Que a Deusa Laksmi nos dê sorte. 
Que Buda, Shiva e Cristo nos inspirem.

terça-feira, dezembro 31, 2013

A MISSA DO GALO (CONTO)


(Este conto será retirado do blogue, em breve. E será melhorado, também)


José Aparecido nunca tinha vindo a Portugal, mas conhecia o avô. Sobretudo de ouvir falar dele, claro. Sempre a dizerem que era um velho duro. E uma vez, o velho tinha mesmo ido a Champigny. Ficou por lá alguns dias, mas sempre a resmungar por tudo e por nada. Perdia-se nas ruas, era preciso ir procurá-lo… criticava tanto a casa da filha, uma vivenda grande e bem arranjada, que Aparecido se convenceu. A casa do velho deveria ser muito boa. E foi por isso que resolveu vir passar uns meses a Portugal, enquanto não se resolviam umas chatices que tinha tido, umas dívidas, umas zangas, uns ameaços… enfim, tudo para esquecer.
Afinal, a casa do velho era um pardieiro mais velho do que ele, quase a cair, com telhas que deixavam entrar água da chuva, à beira dum ribeiro, naquela aldeola onde o Judas perdeu as botas. Um frio de rachar e o velho não tinha outro aquecimento que não fosse a lareira. Só uma lareira para a casa toda, com  a lenha muito racionada porque era muito poupado. Avarento. Ainda por cima era ele, Aparecido, quem tinha de rachar os troncos das árvores e de carregar com as achas pelas escadas acima. Parecia mal dizer que não e mandar o velho fazer isso, claro.  Embora fosse um trabalho que o avô costumava fazer todos os dias, sem nunca se queixar. Velho rijo! Quem me dera ser assim quando tiver a idade dele, dizia a mãe, quando não se queixava da maneira como tinha sido tratada em pequena. Mas eram outros tempos, dizia ela, não se dava à canalha o mimo que se dá hoje em dia…
Aparecido já estava mais que farto daquela casa, daquela parvónia, da forretice do velho, dos raspanetes que estava sempre a apanhar. Ia-se embora, não estava para aturar aquilo, só ainda não tinha ido por a mãe lhe pedir que ficasse até ao Natal. Não deixes o teu avô sozinho na noite de Natal! Por isso, claro, sobretudo por isso, mas também porque lhe dava jeito ficar mais uns tempos, ia ficando… ia aturando aquilo, em troca de cama, mesa e roupa lavada, se a lavasse ele, claro.
Mas o pior era o galo.
Era um galo enorme, de penas compridas e avermelhadas, com uma crista enorme, como para se ver bem que não era uma galinha, bem, para quem sempre viveu na cidade, perto de Paris, na banlieue parisienne, não era assim tão fácil distinguir uma galo de uma galinha, mas parece que o animal já sabia disso e já tinha tratado de todos os pormenores, para que não houvesse engano possível. E andava sempre rodeado pelas galinhas, de dia. De noite, punha-se a cantar, a cantar, até lhe parecia a ele, Aparecido, que o bicho estava empoleirado nos ferros da cama velha e desengonçada, ali mesmo ao pé. Uma cama que também gingava e gemia, num ruído de metais raspados uns contra os outros, de todas as vezes que o rapaz dava voltas na cama. E não eram poucas.
-Ó avô, então os galos não cantam só quando o sol nasce?
- Pois, antigamente era assim, por isso é que os antigos diziam que os galos só cantam quando nasce o sol.
- Então e até isso já mudou? Os galos também são modernos?
- Ó meu filho, isto agora está tudo diferente…
- Mas o sol não nasce à mesma hora, como antigamente?
- Sim, claro, isso, se mudou, terá sido muito pouco. Pelo memos desde que eu me lembro, e olha que eu tenho uma memória! Até me lembro melhor das coisas antigas do que das novas...
- Mas o galo está sempre a cantar, canta toda a noite! Quando eu estou quase a adormecer, desata aos berros, parece que está encostado às minhas orelhas e que o estão a matar! Passado um bocado estou a dormir, começa a cantar outra vez. Raio de vida. E de terra!
- A culpa não é dele. É que às vezes passam ali adiante na estrada umas motorizadas dos rapazes que foram à vila, vão lá para andarem no laró, agora anda tudo no laró, que não lhes custa a ganhar o sustento. Eu, no meu tempo…
- Ó homem, mas o que é que isso tem a ver com o galo? Que mania que você tem de estar sempre a mudar de conversa…
-  Cala-te e deixa-me acabar. No meu tempo começávamos a trabalhar mal o sol nascia, desapegávamos quando o sol se começava a por, éramos como o galo, guiávamo-nos pelo sol, trabalhávamos de sol a sol. E para ganharmos uma côdea de pão. Escola? Escola era um pau de marmeleiro pelas costas abaixo se não trabalhássemos como devia de ser. Anestesia para tirar os dentes? Anestesia era outro pau de marmeleiro pelas costas a baixo se não estivéssemos quietos e calados enquanto o meu pai me arrancava o dente com um alicate.
- Credo! Ó velho, você também não exagere. Quando você se põe a inventar...
- Inventar, eu?! Ai era assim, era, tu que pensas? Pensas que era como agora, tudo no bem bom, a canalha a estudar ou a fazer que estuda até ter idade  quase para a reforma… ninguém faz nada, ninguém quer trabalhar, olha para ti!
- Deixe lá isso. Não me fale em mim!
- Ai deixo lá isso? Ai não queres que te fale em ti? Então e tu achas normal viver à custa do teu pai, que também foi um mouro de trabalho, coitado, na França, e agora, ainda por cima, a viver à custa do teu avô, com a idade que tens? 30 anos? Com trinta anos já eu tinha...
- Pois está bem, mas você já me disse isso tantas vezes. Não vale a pena bater mais no ceguinho.
- Ceguinho? Não vale a pena, mas é malhar ferro frio, que tu mais pareces um ferro frio, uma parede de…
- Ó velho, pare lá com essa conversa que essa merda já me está a chatear.
- Cala-te tu. Ou agora também queres mandar calar os velhos? Também era só o que faltava!
- Não é nada disso. Deixe lá, pronto, não se zangue.
- Pronto…
E já agora explique-me lá isso do estafermo do galo, que eu ainda não entendi. Não entendo por que canta o galo a todas as horas e não como os outros de antigamente. *
- Mas eu já te disse. Os rapazes das motas... e às vezes algum carro, sobretudo aos fins de semana, passam na estada da vila.
- Pois, eu isso percebi.
- Porque a mocidade agora não faz nada e passa a noite inteira no laró...
- Pois, eu isso também já entendi. Porra para o velho!
- Ó Apracido, tu vê lá como falas. Olha que eu não sou surdo!
- Então está sempre a dizer que ouve mal e quando eu digo estas coisas em voz baixa, cá com Deus e comigo…
- Eu só ouço mal o que não me interessa!
- Pronto! E então ia a dizer … passam as motas, ou os carros…
- De noite. E ao virar da curva, as luzes iluminam aqui esta parte ao pé do castanheiro grande, estás a ver, ali onde está o galo, na capoeira. Percebes? Ele pensa que é o sol e pronto, começa logo a cantar! Os bichinhos têm sempre razão. Nós é que muitas vezes não a temos.
E assim se foram deitar, cada um para o seu quarto, muito cedo para não gastarem luz, como dizia o velho. Embrulhados nos cobertores e nas mantas que pesavam como pedras, na opinião do neto, e frias, que nunca tinha visto nada assim. Lá em França os cobertores são leves e quentes. Mas o velho queixava-se muito quando lá estava. Queixava-se do frio, queixava-se da comida e de tudo. E lá nem há mantas, para que servem estas mantas desta terra, pesadíssimas e geladas? Ainda a mãe dizia que queria regressar? Nem ela se daria já aqui... dizia que queria vir, que queria vir, mas nunca vinha, devia estar à espera que o velho morresse... para herdar... e para o não aturar, claro. Quem é que podia  aturar semelhante criatura? E viver naquela terra atrasada? A mãe até dizia que em Portugal não havia frigoríficos, ela chamava-lhes frigideiras, nem mulas, ela queria dizer moules, ou seja, formas para bolos, a  não ser que quisesse dizer mexilhões, que também se diz assim em francês... mas ele bem os tinha visto no Porto: frigoríficos, formas de bolos e mexilhões. Não havia nada disso naquela terra, claro. E se calhar no tempo da mãe não havia em lado nenhum, mas não... haver havia, ela é que era um bocado ignorante, mais do que um bocado, uma palerma, nem falava bem o francês nem o português, era como dizia  a professora de português lá em Champigny:
- Os vossos pais são uns ignorantes, não sabem nada, também não admira, vieram das aldeias da serra para Paris.... nem sabem falar português, nem francês, nem sabem coisa nenhuma.
Assim pensava o jovem, enquanto se aproximava perigosamente a noite de Natal, com a famosa ceia, muito recomendada e muito enfatizada pela mãe.
Nessa noite, Aparecido e o avô comeram o mesmo que em todas os outros jantares, a que o velho chamava ceias. Batatas cozidas com bacalhau e couves. Às vezes até eram só batatas e couves, outras vezes era só caldo e pão...
As batatas eram mais brancas e mais perfeitas que o habitual, a duas postas de bacalhau eram mais grossas e melhores, mais amarelas, as couves eram iguais, idas buscar ao quintal poucos minutos antes de entrarem na panela. O vinho também era a mesma zurrapa de verde tinto de sempre, produzida nos mesmos quintais, de umas videiras velhas e grossas, mas nessa noite era do engarrafado, o da melhor colheita. E o azeite... imagine-se, dizia o avô que aquele azeite era especial, até abriu uma garrafa de propósito, fez um relambório sobre o assunto, contou uma história complicada em que misturava o azeite com os tempos em que era jovem e com a falecida mulher... o neto não prestou atenção a coisa nenhuma, imagine-se, quem é que se importa com o azeite! Sobremesa, uns doces feitos de pão frito com açúcar, que não prestavam para nada, parecidos com os que a mãe fazia em França, mas ainda piores. Enfim, sempre era melhor do que nos outros dias, em que não havia sobremesa nenhuma... a não ser às vezes umas uvas no tempo das uvas, um punhado de castanhas no tempo das castanhas...
As batatas, o bacalhau e as couves cozeram lentamente na panela de ferro da lareira, enquanto os dois aqueciam os pés ao fogo, naquele dia gelado. Para o rapaz, habituado a não fazer nada, o aborrecido daquela vida nunca era a falta de atividade, pelo que ali ficou sossegado, a ouvir a chuva cair no telhado baixo e o vento a zunir no velho castanheiro. Para o velho, aquela era a única vida que conhecia e não desejava, nunca tinha desejado outra.
Comeram sossegados e foram cedo para a cama. Nada de presentes, nada de decorações de Natal, nada de rezas. O rapaz não tinha religião praticamente nenhuma, a do velho era mais superstição do que fé, nisso e noutros aspetos eram parecidos, como muitas vezes acontece com elementos de diferentes gerações de uma mesma família, mesmo se nunca houve muito contacto entre eles.
A princípio, o rapaz acendeu uma vela de cera, para o avô não protestar por ele gastar “luz”, referindo-se à eletricidade. Tentou ler uma velha revista que lhe deram durante a viagem de comboio, mas não era grande leitor e acabou por adormecer com a revista por cima da cara. Minutos depois, acordou com o galo.
- Có có-ró có-có!!!! – cantou o galo.
Acordando estremunhado, Aparecido atirou com a revista para o chão, levantou-se de vela na mão e foi discutir com o avô,
- Eu vou-me mas é embora desta terra de merda!
- Vai vai! Até já devias ter ido. Andas aqui a comer à minha custa e ainda reclamas!
.- Já quantas vezes me disse você que eu ando a comer à sua custa? Então eu não sou seu neto? Eu não sou o seu herdeiro? E não é costume as visitas comerem à custa de quem as recebe?
- Visita, tu?  Que grande visita, que tu me saíste, que já cá estás a comer há meses sem fazer nada. Herdeiro? Se eu te deixasse gastar tudo o que tu queres gastar, não ia haver nada para herdar, herança nenhuma, nem para ti, nem para a tua mãe, nem para o teu pai. Vai-te mas é deitar e deixa-me dormir a mim. Estamos no Natal, deixa-me ao menos em paz, no Natal!
O rapaz lá voltou para a sua cama de ferro, que rangia ainda mais que o habitual, por baixo do duro e áspero colchão de palha de centeio. Mas ficou inquieto, na tempestade que desabava a espaços, seguida de períodos de acalmia. Inquieto e remexendo-se constantemente, lá voltou a adormecer.
- Có có-ró có-ri có-ró!!!!
- Ai, que é isto? – pergunta Aparecido, despertando de repente, sem se lembrar já de onde estava e julgando-se em Champigny, onde não há galos a cantar durante  a noite. Acordado, acende a vela e lá fica a cismar nisto e naquilo, em velhos rancores contra o avô, contra o pai, contra aqueles conhecidos que o andavam sempre a importunar lá por França... mas a fraca luz do aposento, um raro luar filtrado pelas nuvens, que entra pela janela e o completo silêncio que se gerou após a tempestade faziam-no adormecer em pouco tempo. E assim ficou a dormir no melhor do seu sono, naquela invulgar noite de Natal. Quando de repente se ouve, como já setinha ouvido antes, tantas vezes...
- Có có-rí có-có ri-có!!!!
O quê? - Levanta-se o rapaz, desta vez acendendo a luz elétrica, corre desnorteado para a sala, acende a luz elétrica da sala, investe para cozinha, acende a luz elétrica da cozinha, nunca se viu tanta luz ao mesmo tempo naquela casa, o que faz o avô acordar atordoado.
- Que é isto, rapaz?!
- Porra! Eu é que já não aguento mais isto! Vou matar o galo - vocifera Aparecido, enquanto procura atabalhoadamente, nas gavetas e nos armários da cozinha,  a melhor faca, aquela que corta bem
- Onde é que você meteu a faca que corta bem? Amanhã temos arroz de galo.
- O velho levanta-se da cama, amparado na bengala, um pouco atordoado com toda aquela agitação que o despertou dum sono profundo, feliz e sem sonhos. Irritado, dirige-se à cozinha, gritando com o neto, que vai atirando pelo ar pratos e talheres.
- Tu está-me quieto rapaz. Tu não vês que me estás a escaqueirar tudo? Mas o que é que tu queres, ó moço?
- Vou matar o galo. Ando à procura da faca que corta bem. Você só tem uma faca que corta bem, as outras não prestam! Onde é que a pôs agora?
- Tu não te atrevas a matar-me o meu galo! Tu estás-me a ouvir?
- Ai não, então já vai ver o que é que eu lhe faço!
- Está quieto, rapaz! O galo já aqui estava quando tu aqui chegaste e ainda cá há-de ficar muito tempo quando tu te fores embora!
- É já amanhã!
- E havia era de ser ainda ser hoje! De que é que tu estás à espera? Desaparece-me daqui!
- Desapareço desapareço, ai desapareço e é já - grita Aparecido - mas antes disso vou matar o galo. E ainda o havemos de comer antes de eu ir. Não o vai deitar fora depois de morto, pois não? Lá porque gosta tanto dele...
- E gosto
- Isso sei eu! Até gosta mais dele do que de mim!
- Muito mais. Eu gosto muito mais dele do que de ti, ouviste? Porque eu a ti nem te conheço. Sei lá se tu és meu neto!
- Ai não me quer dizer onde está a faca? Então eu mato-o mesmo à mão , torço-lhe o pescoço e acabou-se!
Dizendo isto, Aparecido sai porta fora em direção à sala, na intenção de ir ao pátio matar o galo. O avô corre a agarrá-lo com força. O velho é forte, mas o rapaz, magro e ágil, consegue libertar-se, estrebuchando. Logo o avô o agarra por um braço. Então, Aparecido pega, com a outra mão, numa cadeira que ali está, levanta-a no ar e fá-la desabar com toda a força sobre a cabeça do homem. Velha e desengonçada, a cadeira parte-se em bocados, pouco mais mossa fazendo na cabeça do velho do que a luz intensa a que não estava habituado lhe tinha feito nos olhos e no espírito.
Num gesto de defesa, o homem levanta a bengala e vai bater com ela na cabeça do neto, no momento em que este se volta para trás. Atingido na nuca, o rapaz cai ao chão, fulminado. Está morto.
Aturdido com o seu ato, a princípio, não querendo acreditar no que vê, o velho dá-se depois conta da sua atual situação. Com o sentido prático que adquiriu numa vida simples e solitária de trabalhador braçal, pouco tempo demora a entender tudo e  a conjeturar o que deve fazer. Veste o seu melhor fato, põe  a gravata e o chapéu, chama os vizinhos, conta o que fez e pede que o levem à vila, de mota, para se entregar à guarda, confessando o seu crime. Involuntário.
Pouco passa da meia noite. Da janela do posto da guarda em que ficou retido como prisioneiro, até se averiguarem os factos, o velho observa, desanimado, os seus conterrâneos que saem da igreja, felizes, depois de assistirem à Missa do Galo. As crianças saltitam alegres à frente dos pais, mortas por irem abrir os presentes que ficaram por debaixo da árvore, ou dentro dos sapatinhos, ao pé do presépio ou da cama. Os adultos estão também alegres e bem dispostos, digerindo ainda a lauta ceia de Natal com as suas desusadas sobremesas e bebidas.
Naquela terra em que nada acontece nunca, os que saem da igreja são logo abordados pelos outros, ávidos de lhes contarem a grandessíssima novidade. A excitação da inusitada notícia apaga, naquele momento, qualquer sentimento de piedade ou de indulgência. Todos olham para a janela da guarda com grande curiosidade e quase alegria, pela quebra da monotonia das suas vidas, ali tão isoladas do mundo. Não há maldade na sua atitude, antes o entusiasmo de quem vê acontecer na sua terra o que só vê habitualmente e até mesmo constantemente na televisão. Falam alto, chamam um pelos outros, no desejo de contar a grande novidade aos poucos que ainda não a ouviram, enquanto o cadáver de Aparecido é transportado para a morgue mais próxima, longe dali.
Pouco depois, tudo sossega. A terra cai na tranquilidade e na harmonia das pequenas terras sem história. Chegados a casa, pouco tempo demoram a deitar-se e a adormecer, cansados de tanta excitação. Alguns transeuntes foram para mais longe, nas suas motorizadas ou nos seus automóveis. Ao passarem  a curva da estrada, a luz dos faróis incide na capoeira que fica por detrás do castanheiro velho.
O galo canta.

Lisboa, 30 de Dezembro de 2013
Graciete Nobre

domingo, dezembro 29, 2013

A Amizade no Facebook


Conheci pessoas que morreram por não terem conseguido adaptar-se aos novos tempos. Porque já nasceram desadaptadas, oriundas de um passado remoto. Outras nasceram desadaptadas deste tempo, porque já vieram formatadas para o futuro. poderão lamentar muitas coisas, criticar muitas coisas, mas nunca a modernidade e o progresso.

O Facebook desperta em muitos a insatisfação e a revolta que sempre acontece perante as coisas inevitáveis, perante a evolução inevitável. Sobretudo da parte dos velhos (não necessariamente em idade)É "fácil desconectar os amigos", essa é uma evidência, mas também é fácil reconectá-los. A intimidade com amigos/amigas sempre me pareceu aborrecida e mesmo insuportável. E outra vantagem é a partilha de opiniões, objetos como fotos, vídeos e informações. Conhecemos quase bem pessoas que não suportaríamos em intimidade e aprendemos a respeitá-las.. Aprendemos muito no Facebook.É um novo paradigma nas relações humanas e ainda mal começou.Vem este post a propósito do artigo sobre este filósofo Bauman3 MINUTOS COM BAUMAN: AS AMIZADES DE FACEBOOK

Ainda recordo o tempo em que era tudo muito aborrecido, tudo muito lento, a solidão não existia como coisa positiva, aliás, a solidão física não existia. Estávamos sempre rodeados de pessoas enfadonhas, sendo continuamente obrigados a conviver com elas. O tempo passava lentamente. Para o bem ou para o mal, esse tempo acabou.

Só quem for muito chato irá desejar ser aceite sem ter opiniões, sem dar nada, ser aceite numa presença incómoda, obrigatória e talvez até mal cheirosa. Mas ninguém voltará a ser obrigado a  ter apenas dois "bons amigos". Os que deram provas. E quando esses dois se fartassem, o que aconteceria? E os que não deram provas de amizade poderão vir a dar provas, ou de amizade, ou de bondade. Numa sociedade corrupta como a nossa, é muito mais importante a bondade do que a simpatia.

P.S.: Claro que ninguém pode fazer 500 amigos num dia, essa é a ingenuidade das crianças.

sexta-feira, dezembro 27, 2013

Livro para ler: sobre Madame de Montespan



Comprei ontem à tarde, na estação de comboios de Campanhã, um livro difícil de parar de ler: Montespan. Custou cinco Euros, mas neste link custa só três.

É sobre o marido de Madame de Montespan, a amante favorita do rei Louis XIV.
Como quase todos os romances históricos, não é grande coisa no aspeto literário, é mais um best seller e uma espécie de reportagem jornalística sobre a época, mas tem particularidades interessantes.

Em primeiro lugar, Luís XIV foi de tal modo extraordinário, para o bem e para o mal, que merece os inúmeros romances históricos escritos sobre personagens que o circundaram: o jardineiro, como O Jardineiro do Rei, os cozinheiros, como Vatel, sobre o qual se escreveram livros e fizeram filmes, as amantes e agora o marido da amante. Foi uma escolha inteligente, que permitiu ao autor inventar tudo o que quisesse. E nem é necessário inventar muito porque a própria realidade é incrível.

A outra graça do livro é que o autor reproduz os costumes nojentos da época, o que quase todos os escritores evitam. Recordamos logo a cama real coberta de percevejos do Memorial do Convento, de José Saramago, mas este livro vai muito para além, recriando outros pormenores, como o hábito que nobres e reis tinham de defecar em público, por exemplo.
Às vezes talvez confunda mesmo a lenda coma realidade, o que também é natural, como quando afirma que Luís XIV só tomou banho uma vez e se benzia com água benta em vez de se lavar. Tem graça, mas talvez seja exagero, motivado pela ideia transmitida pelos médicos da época de que a água fazia muito mal.
Ainda não acabei de ler, mas estou a tentar não ir a correr pegar nele...

Recomendo também O Jardineiro do Rei, talvez até um livro melhor do que este.