Quando vim viver para Lisboa, há muito tempo, porque passava por aqui a caminho do Algarve e ficava sempre deslumbrada com tanta beleza, chocou-me particularmente aquilo que nada tinha a ver com a beleza pura, estética: uma certa mesquinhez inquisitorial, ou digamos pidesca, um provincianismo que nunca me teria passado pela cabeça, ao ponto de haver cafés, como existe ainda hoje o célebre Galeto, que eram considerados lugares de engate, como se estivéssemos numa vilória, com lugares marcados para gente impura e para gente decente. Lugares de imoralidade... de ignomínia...
Chocou-me o não ver uma diferença imensa entre uma capital europeia e uma terriola do “interior”, que eu conhecia bem.
Impressionou-me também, pelo lado do ridículo, um fator curioso: era nesse tempo Presidente da Câmara de Lisboa aquele marido da mulher do já então falecido Sá Carneiro. Creio que o Presidente se chamava Abecassis, como a mulher.
Espalhados por todo o lado, havia cartazes enormes com uma mensagem que era algo deste género: A Câmara de Lisboa já conseguiu exterminar milhões de ratos. Diziam mesmo um número aproximado, vamos supor, 5 milhões, 100 milhões…
Tinha uma imagem com muitos ratos, representados como figuras antipáticas.
Ponho-me a pensar: e se fosse hoje? Se fosse hoje pré-covid, ou seja, ontem, e se fosse hoje, ou mesmo após a pandemia, (pois haverá um pós-pandemia)?
Bem, se fosse hoje, haveria os que tinham muita pena dos ratinhos mártires, haveria o PAN, sigla que nada parece ter a a ver com PANdemia, a não ser o próprio PAN que é uma espécie de epidemia… haveria os artistas a protestar contra tal feiura de cartaz, que terá custado muito dinheiro à dita autarquia… haveria os vegetarianos a reclamar, os budistas e os hindus, enfim, não seria possível.
Como não é politicamente correto falar destas coisas, existem atualmente em Lisboa muitas pragas: de ratos, de baratas, de formigas…. milhões de milhões de bichos que, alegadamente, de acordo com essa teorias, se forem mortos, irão talvez encarnar em bichos ainda piores… para nos atazanarem ainda mais. Então, mais vale não falar muito no assunto.
Afinal, ainda nos falta o mosquito do dengue, que talvez emigre para cá em breve.
Lidemos com os ratos, as formigas, as baratas de esgoto e as baratas alemãs, como se vivêssemos num terriola do terceiro mundo (Ah, não se diz terceiro mundo), enfim, como é que se diz????
Alguém sabe?
(Imagem: rato sem máscara, Bansky, Street Art)