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quinta-feira, janeiro 31, 2013

Chavões New Age, atribuídos a Fernando Pessoa (Apócrifos de Pessoa)

Circulam na net muitas frases apresentadas como poemas de Fernando Pessoa. Nem são de Fernando Pessoa e, muitas vezes, nem são poemas.

Pior, esses textos não parecem ser de Fernando Pessoa, pois não têm nada a ver com a sua personalidade, nem com o seu modo de escrever.

São quase sempre textos New Age, às vezes verdadeiros chavões.

Este blogger conta um caso curioso que lhe aconteceu: um dia em que estava irritado, magoado, escreveu estas frases:

"Pedras no caminho? Eu guardo todas. Um dia vou construir um castelo." 

Algum tempo depois, estas frases começam a aparecer na net como sendo de Pessoa. Um pouco mais tarde, aparecem coladas no fim de poema "Dez Leis para Ser Feliz", de Augusto Cury e, adivinhem... atribuídas a quem? a Fernando Pessoa. O caso é narrado pelo próprio blogger, AQUI

Outro caso, narrado no blogue Conexão Udi, é este (entre outros do mesmo género):

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo e esquecer os caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia; e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos." 

(Autor: Fernando Teixeira de Andrade - 1946-2008)

E muitos outros.

quinta-feira, maio 17, 2012

Ainda Natália Correia



Acabo de colocar no meu blogue Escrevedoiros, este vídeo. Foi-me enviado por José Daniel Soares Ferreira, que o descobriu em vinil. Acrescento um texto sobre ele. Como O Terra Imunda tem muitos mais visistantes e mais alguns seguidores, coloco-o também aqui.


Poderão ler mais




terça-feira, dezembro 06, 2011

Fomos debalde, de balde, ou até mesmo, fomos de balde debalde

Ttalvez poucas pessoas saibam o que quer dizer "debalde", assim tudo pegado e até pensarão muitas que seja "de balde", como "com um balde". Pelo menos, aquelas pessoas que dizem coisas como camufulam, subeterrado debaixo de água, panaceira universal, barbacu (english barbecue) e outras complicações linguísticas como : dói-me muito a minha asiática, é tudo derivado ao castrol [colesterol] e outros atropelos à língua de Camões e Pessoa, poetas insignes, que corariam de vergonha, se não estivessem já pálidos de furor pelas cretinices dos políticos e quejandos. É que gostavam de Portugal!



Como o heterónimo de Pessoa, Ricardo Reis, que diz assim, num dos seus poemas : "Passamos e agitamo-nos debalde". - Quer dizer que o homem passa no mundo em vão, inutilmente, sem fazer nada que seja importante para o mundo. E a sua agitação também é inútil. Não o fará grande, a não ser a seus olhos. Aos olhos dos deuses, aos olhos do universo, a passagem do homem na terra é um momento insignificante, que não irá alterar nada, como todos nós intuimos, ao olhar para o firmamento, numa noite de verão. Passamos debalde. E, se tivermos um balde na mão, então passaremos debalde de balde [na mão]. Ou até mesmo de balde [na mão] e debalde (inutilmente). Perceberam?  Beijinhos. Segue o poema de Ricardo Reis, na íntegra. Tadinho, tão deprimido e tão depressivo!


Antes de nós nos mesmos arvoredos
Passou o vento, quando havia vento,
E as folhas não falavam
De outro modo do que hoje.
Passamos e agitamo-nos debalde.
Não fazemos mais ruído no que existe
Do que as folhas das árvores
Ou os passos do vento.
Tentemos pois com abandono assíduo
Entregar nosso esforço à Natureza
E não querer mais vida
Que a das árvores verdes.
Inutilmente parecemos grandes.
Salvo nós nada pelo mundo fora
Nos saúda a grandeza
Nem sem querer nos serve.
Se aqui, à beira-mar, o meu indício
Na areia o mar com ondas três o apaga.
Que fará na alta praia
Em que o mar é o Tempo?

domingo, outubro 23, 2011

Palhaço Rico

O palhaço rico atravessa a pista do circo ou o écran da televisão
(O que é agora a mesma coisa)
E confessa:

"Eu confesso!" "Não, eu não confesso!
Antes direi, por mim, a verdade relativa:
Perdi a virtude, a honestidade, a fé...
Quem as não perde?

Com este dinheiro que ganhei, pude comprar muitas coisas
E todos me admiram por eu ter muitas coisas

Sou rico! Sou um palhaço... Que importa?
Todos se riem de mim, mas todos me admiram, no fundo.

Tanto foi o que perdi, pobre de mim...
Ninguém me ama, todos me desprezam
Fiz aquilo que todos fazem, mas muito melhor:
Entre os palhaços ricos, há-os muito menos ricos do que eu...

Vejam estas coisas que eu tenho, eu tenho tantas coisas:
Anéis, jóias, carros, casas, barcos, jardins,
Tudo isto ganhei com o suor do meu rosto,
Com a vergonha da minha cara, que perdi.

Se é de ouro falso que tudo em mim rebrilha
Que importa?
Eu tenho muitas coisas, tenho tudo o que é preciso
E muito mais

Sonhar, já não sonho a não ser a dormir
Realizei todos os meus sonhos... essa é a parte chata da questão

O que posso desejar ainda, me perguntareis vós:
Ser mais rico e mais palhaço ainda
Fazer rir toda a gente e mostrar as minhas coisas

Fazer rir às gargalhadas, para sempre
E chorar por dentro...
(Os palhaços também choram, sabiam?)
Porque perderam a ilusão e o sonho,
Porque todas as coisas são demasiado coisas e envelhecem

E existirão todas elas depois de mim, pertencendo a outros
Eu, pobre palhaço rico, chorarei então por dentro e por fora,
Pois já nada me pertence:

Tudo o que eu sou, comprei.
Tudo o que poderia ter sido, vendi.
Tudo o  que não fui, o que poderia ter sido... esbanjei.


             Graciete Nobre, Lisboa, Fevereiro de 97

(Outubro de 2014: Escrevi este poema em 2011 e detesto-o. Mas não o apago, porque cada vez é mais verdadeiro.)

quinta-feira, outubro 06, 2011

Tomas Tranströmer: Prémio Nobel da literatura 2011

FUNCHAL

O restaurante do peixe na praia, uma simples barraca, 
construída por náufragos.
Muitos, chegados à porta, voltam para trás, mas não assim 
as rajadas de vento do mar.
Uma sombra encontra-se num cubículo fumarento e assa 
dois peixes, segundo uma antiga
receita da Atlântida. Pequenas explosões de alho.
O óleo flui nas rodelas do tomate. Cada dentada diz-nos que
o oceano nos quer bem,
um zunido das profundezas.

Ela e eu: olhamos um para o outro. Assim como se trepássemos 
as agrestes colinas floridas,
sem qualquer cansaço. Encontramo-nos do lado dos animais, 
bem-vindos, não envelhecemos. Mas já suportámos tantas 
coisas juntos, lembramo-nos disso, momentos em que 
de pouco ou nada servíamos (por exemplo, quando esperávamos 
na bicha para doarmos sangue ao saudável gigante –
ele tinha prescrito uma transfusão).
Acontecimentos, que nos poderiam ter separado, se não nos tivessem 
unido, e acontecimentos
que, lado a lado, esquecemos – mas eles não nos esqueceram!
Eles tornaram-se pedras. Pedras claras e escuras. Pedras de 
um mosaico desordenado.
E agora mesmo acontece: os cacos voam todos na mesma direcção, 
o mosaico nasce.
Ele espera por nós. Do cimo da parede, ilumina o quarto de hotel, 
um design, violento e doce,
talvez um rosto, não nos é possível compreender tudo, mesmo 
quando tiramos as roupas.

Ao entardecer, saímos.
A poderosa pata azul escura da meia ilha jaz expelida sobre o mar.
Embrenhamo-nos na multidão, somos empurrados, amigavelmente, 
suaves controlos,
todos falam, fervorosos, na língua estranha.
“ Um homem não é uma ilha “

Por meio deles fortalecemo-nos, mas também por meio de 
nós mesmos. Por meio daquilo que
existe em nós e que o outro não consegue ver. Aquela coisa 
que só se consegue encontrar
a ela própria. O paradoxo interior, a flor da garagem, a válvula 
contra a boa escuridão.
Uma bebida que borbulha nos copos vazios. Um altifalante 
que propaga o silêncio.
Um atalho que, por detrás de cada passo, cresce e cresce. 
Um livro que só no escuro se consegue ler.

Tomas Tranströmer
tradução de Luís Costa

Prémio Nobel para o poeta sueco Tomas Tranströmer

LISBOA

No bairro de Alfama os eléctricos amarelos cantavam nas
subidas.
Havia duas prisões. Uma delas era para os gatunos.
Eles acenavam através das grades.
Eles gritavam. Eles queriam ser fotografados!

"Mas aqui", dizia o revisor e ria baixinho, maliciosamente,
"aqui sentam-se os políticos". Eu vi a fachada, a fachada, a fachada
e em cima, a uma janela, um homem,
com um binóculo à frente dos olhos, espreitando
para além do mar.

A roupa pendia no azul. Os muros estavam quentes.
As moscas liam cartas microscópicas.
Seis anos mais tarde, perguntei a uma dama de Lisboa:
Isto é real, ou fui eu que sonhei?

Tomas Tranströmer
tradução de Luís Costa

segunda-feira, agosto 15, 2011

Fernando Pessoa online

E aqui está um site que contem muitas das obras de Pessoa, creio que só as editadas, pois intitula-se obra édita. Caso contrário, seria inédita.


VER AQUI


E tem a vantagem de estar organizado por temas.

segunda-feira, junho 13, 2011

Homenagem A Fernado Pessoa no 123º aniversário do seu nascimento


"Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: "Navegar é preciso; viver não é preciso."
Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar.Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa raça."


(esta é a introdução à obra Mensagem de Fernando Pessoa, o seu único livro publicado em vida.)

Um dos posts mais procurados deste blogue é sobre a citação:
"Navegar é preciso; viver não é preciso."



VER AQUI


quinta-feira, abril 14, 2011

Todos os poemas são poemas de amor?

Esta pergunta ocupou a minha pobre cabeça durante vários anos. De facto, se eu escrevia um poema a outra pessoa, ou mesmo um texto bonito, ou uma carta que fizesse vagamente lembrar um poema, logo essa coisa era considerada uma declaração de amor, o que resultava numa situação embaraçosa. Sempre que escrevia bem, supunha-se que estava a declarar a alguém o meu amor. O que me fez desistir de escrever cartas bonitas. Ou, melhor, de as enviar.


Tudo ficou esclarecido, para mim, um dia.


Umas jovens contaram-me que uma delas tinha uma paixão assolapada por uma amigo, que não a deixava amar mais ninguém. Era muito gordinha, nenhuma beleza, o amigo namorava com outra. Um dia em que eu estava bem disposta, decidi abordar o assunto:
- Então você, ouvi dizer que tem uma paixão assolambada (termo meu) por um mocinho. É verdade?
De imediato a rapariga tirou do porta-moedas um papel muito dobrado, muito sujo, com as dobras a rasgar, de tanto ter sido aberto e lido e desdobrado e dobrado outra vez, e disse:
- Veja, ele escreveu-me um poema! Tenho-o aqui! Leia!


Li o papel e não consegui evitar um ataque de riso, que justifiquei depois muito bem... o melhor que soube enfim, mas que resultou.
O texto, muito simples e em prosa vulgar, cheia de erros, dizia apenas algo como isto: "Eu sou muito teu amigo, mas não te amo. Espero que tu encontres outro rapaz que goste muito de ti, porque tu mereces."


Foi o primeiro "poema" de não-amor que li. E mesmo assim, foi entendido como poema de amor.

segunda-feira, outubro 25, 2010

Bácoras

A Nadinha tem uma amiga que é professora e que lhe contou isto.
N' Os Lusíadas, há um episódio chamado "A Praia das lágrimas" em que é narrada a despedida, no Restelo, dos marinheiros que vão na viagem de Descobrimento do Caminho Marítimo para a Índia. É um episódio muito comovente, em que as mulheres e as mães lamentam a sua solidão e os perigos que eles vão passar. Uma mãe diz ao filho que não vá, porque vai ser comido pelos peixes "dos pexes mantimento".
Num teste sobre este assunto, do 9º ano, em que se pedia para interpretar esta passagem, um aluno afirma que a mãe tenta convencer o filho a não ir, dizendo-lhe que só vai comer peixe durante meses.




Que horror! Quem é que gosta de peixe? Na verdade, comiam coisas horríveis, biscoitos duros e podres, mas nada de peixe.
Já agora, vale sempre a pena ler o nosso Camões (Tio Luís).




«Qual vai dizendo: —«Ó filho, a quem eu tinha 
pera refrigério e doce amparo 
Desta cansada já velhice minha, 
Que em choro acabará, penoso e amaro 
Porque me deixas, mísera e mesquinha? 
Porque de mi te vás, ó filho caro, 
A fazer o funéreo enterramento 
Onde sejas de pexes mantimento?». 

Qual em cabelo: —«Ó doce e amado esposo, 
Sem quem não quis Amor que viver possa, 
Porque is aventurar ao mar iroso 
Essa vida que é minha e não é vossa? 
Como, por um caminho duvidoso, 
Vos esquece a afeição tão doce nossa? 
Nosso amor, nosso vão contentamento, 
Quereis que com as velas leve o vento?» 

quinta-feira, julho 22, 2010

Betânia na Casa Fernando Pessoa




Fui ontem ver e ouvir a Maria Betânia a ler poesia na Casa Fernado Pessoa, aqui ao pé.
Parêntesis para afirmar o seguinte: a Inês Pedrosa tem feito coisas extraordinárias pela Casa Fernado Pessoa, que estava às moscas antes de ser ela a directora e mesmo quando era a Clara Ferreira Alves. Não há comparação possível. É o que se pode chamar uma gestão criativa.
Por exemplo: inventou uma medalha de mérito para distinguir gente que fez muito pela poesia de Pessoa ou pela poesia em geral e chamou-lhe "Medalha do Desassossego", por causa do Livro do Desassossego de Fernando Pessoa - Bernardo Soares. Ofereceu-a no Brasil a Maria Betânia, que ficou tão orgulhosa com a distinção, ao ponto de a trazer ontem ao peito, de a mostrar e de se oferecer para fazer este magnífico espectáculo. Grátis. Para quem está habituado a pagar bem caros os espectáculos desta diva...
Betânia mostrou-se diferente, mais familiar, mais natural e até modesta. É claro que as condições acústicas e outras não eram as ideais, mas a voz é a mesma que era há 10 ou 20 anos, o que é surpreendente. E a inspiração também é a mesma.
Gostei particularmente da ideia que teve de homenagear um seu professor de português do liceu, liceu esse situado naquilo a que chamou "o recôncavo da Baía", afirmando que o ensino público (no Brasil) pode ser óptimo. Disse o nome do professor, declamou um poema dele e informou que o irmão, Caetano Veloso, também seu ex-aluno, musicou alguns dos seus poemas e que ambos lhe estão agradecidos por lhes ter desvendado a poesia.
Foi bom ouvir isto, todos sabemos que alguns professores podem ser estruturantes da nossa personalidade e inspiradores da nossa sensibilidade, mas poucos o afirmam assim alegremente, a esta distância temporal.

O problema foi mesmo encontrar lugar. Algumas pessoas foram para a fila às 11 horas, o espectáculo era às 17:30 e começou às 18. Pessoas que chegaram às 15 horas não entraram, mas houve quem chegasse às 17:15 e entrasse. Por mim, confiei na inventiva da Inês Pedrosa, que já me surpreendeu várias vezes. Cheguei às 16:45 e esperei. Parecia impossível entrar, mas, vejamos: houve muitas pessoas que desistiram; a certa altura, abriu-se a sala de baixo, onde foi colocado um plasma gigante e muitas cadeiras; mais tarde, abriu-se a porta para o jardim, onde foram colocadas colunas de som - como estas pessoas não viam nada, só ouviam, tiveram direito a bebidas grátis.

Enfim, quem não tem cão caça com gato. Nunca tive nenhuma admiração especial pela Inês Pedrosa, mas neste aspecto não tem igual: revela uma grande modéstia, também, uma simplicidade, uma criatividade e um engenho, que a colocam a milénios-luz das eminências-pardas a que estamos habituados, sem ideias, sem capacidade de agir, mas cheios de farroncas.

Esperemos os desenvolvimentos... o que há-de vir...

terça-feira, julho 20, 2010

A Índia e o Opiário

Apesar de estar neste momento com muito trabalho, vou entrar de férias de hoje a uma semana e, como todos os anos, ando a tentar decidir, com dificuldade, aonde ir.
Tinha a intenção de visitar a Índia, mas todos me aconselham a não ir agora. De facto, é uma viagem difícil em termos físicos e psicológicos, que me seduz muito, em parte pelo lado espiritual, em parte pelo exotismo, que, no entanto, os escritores indianos exprimem ser obra do passado, estar ela a tornar-se incaracterística. Mas não é por isso que ainda não vou. Diversos factores me fizeram, ao contrário do costume, aceitar o conselho.

Fico a pensar: aonde ir? Se mesmo a Índia já não é a Índia e se calhar nunca deveria ter sido, em certos eventos... ou mesmo, se nunca foi...

Fui buscar o poema "Opiário" de Fernado Pessoa - Álvaro de Campos, que diz, com um século de antecedência, mais ou menos o que sinto hoje. Como não sou nada pessimista, ao contrário de Campos, embora seja niilista como ele, pelo menos na opinião da Clara, como aprendi a não ser depressiva e neurasténica, vou colocar aqui apenas as partes do poema com que me identifico ainda e quase totalmente. Censurem-me, se quiserem, por ter censurado o tio Álvaro. Às vezes colocam-me neste blogue críticas medonhas que não apago.
Quanto à viagem, talvez vá para o mar, como sempre. É a última fronteira, o único lugar diferente e desconhecido. Sem gente. Ou com gente vivendo à distância de um fio. Como diz Platão: " Há três tipos de homens: os vivos, os mortos e os que andam no mar".

Opiário (Excertos)

Eu acho que não vale a pena ter
Ido ao Oriente e visto a Índia e a China.
A terra é semelhante e pequenina
E há só uma maneira de viver.
.......................................
Fumo. Canso. Ah uma terra aonde, enfim,
Muito a leste não fosse o oeste já!
Pra que fui visitar a Índia que há
Se não há Índia senão a alma em mim?
...........................................
Não posso estar em parte alguma.
A minha Pátria é onde não estou.
..............................................
Pertenço a um género de portugueses
Que depois de estar a Índia descoberta
Ficaram sem trabalho. A morte é certa.
Tenho pensado nisto muitas vezes.
Leve o diabo a vida e a gente tê-la!
Nem leio o livro à minha cabeceira.
Enoja-me o Oriente. É uma esteira
Que a gente enrola e deixa de ser bela.

quinta-feira, janeiro 07, 2010

Um dos posts muito procurados neste blogue é aquele em que tenho o poema "Autogénese" de Natália Correia.
Aqui vai o vídeo em que a própria Natália o declama.

quinta-feira, setembro 17, 2009

Espectáculo Inédito na Casa Fernando Pessoa

Por estes dias, que têm sido para mim muito preenchidos (não falo de tudo nestes blogues, ainda que possa parecer) fui assistir a um espectáculo inédito na Casa Fernando Pessoa.
Esta casa tem tido vários curadores, todos fracos para não dizer péssimos, mas agora tem uma muito boa. A Inês Pedrosa é, de facto, uma presidente sem precedentes e sem semelhança com os anteriores. Não quer isto dizer que a aprecie noutros aspectos: cada um de nós tem um dom. O da maioria é talvez o de procriar. E também o sabem fazer bem. O de outros é outra coisa.
A Inês Pedrosa é polémica, também num aspecto de que me sinto mais participante, uma estranha reportagem que fez sobre Natália Correia, há uns tempos largos. Talvez demasiado cedo, tendo em conta as mentalidades...


Vem isto a propósito desta última iniciativa: pintar o exterior e o interior da casa Fernando Pessoa com palavras, mais exactamente com um único e pequeno poema de Ricardo Reis. Esse poema tem emendas e correcções. Então foram aproveitadas essas emendas e correcções, como se todas as hipóteses fossem válidas e o conjunto das várias possibilidades fosse enriquecedor. Nunca vi nada assim. Raramente fico agradavelmente surpreendida, mas fiquei.
Vou tentar pôr neste blogue ou no outro, o poema e as suas variantes.
Oh!!! Nem levei a máquina fotográfica.
Houve um espectáculo óptimo na rua (Coelho da Rocha) um espectáculo de rua. Os actores estavam à janela da casa e os espectadores estavam sentados em cadeiras na rua ( a rua do poema "A Tabacaria"). Mas de repente ficou muito frio e vento. Havia uma boutique mesmo em frente e algumas pessoas foram lá comprar umas camisolas de lã. Giras. Eu ia de casaco de algodão, mas morri de frio. Mesmo assim, não arredei pé e achei a representação de um bom gosto invulgar.
Que me desculpem os meus amigos e amigas de não os ter convidado para isto, mas pensei que talvez fosse uma seca. Como moro perto...
E vou lá tirar fotografias para pôr aqui.

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Enveja

Num dos meus últimos posts, eu perguntei qual era a última palavra de "Os Lusíadas", tendo afirmado que essa palavra só pode ser muito importante no contexto.
Senão, vejamos.
Camões escreve um livro grande (em tamanho), sempre com estrofes de oito versos, cada verso com 10 sílabas métricas. Cada estrofe está dividida em termos de ideia. Os quatro primeiros versos dizem uma coisa, os quatro restantes dizema outra. Mas isto não é tudo.
O esquema rimático de cada estrofe ou estância é sempre o mesmo: ABABCBDD.
Mais ainda: cada verso é acentuado na 6ª e 10ª sílabas (ritmo heróico), a não ser quando o poeta fala de amores, usando, então, o ritmo sáfico (acentuação nas 4ª, 8ª e 10º sílabas).
Complicado? Então vejamos: a última palavra de todo o livro é (como disse em comentário a Inteb, que faz anos domingo (parabéns Inteb)):
a última palavra de todo o livro é "enveja"
A resposta fácil e simples é: Camões não reparou nisso. Acham? Reparou em tudo e não reparou na última frase que escreveu, a mais importante de todas as frases de um livro?


Não me parece.
Antes parece que num país em que os que têm talento são marginalizados como Camões e os que não valem nada e são vigaristas bacocos e altamente valorizados, até porque têm cargos de poder, é natural que a inveja seja o principal sentimento social.
Os grandes escritores têm inveja dos escritores comerciais porque são estes que estão na onda e que ganham dinheiro, os escritores comerciais têm inveja dos bons porque sabem que são medíocres e que nunca serão como eles, os políticos e demais mercantes sabem que são medíocres e morrem de inveja daqueles que "por obras valerosas se vão da lei da morte libertando", etc.


Oiçamos o grande tio Luís (de Camões), num dos últimos versos da sua obra, profundamente decepcionado com Portugal e com os portugueses:


"Não mais,Musa,não mais,que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor que mais se acende o engenho
Não no dá a Pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
De uma austera, apagada e vil tristeza"


Será que Camões se referia ao momento presente?
"Austera, apagada e vil tristeza?"
Esta tristeza do Freeport é apagada e vil, acho eu... e a da Universidade Independente, que, alegadamente, ocultava crimes de branqueamento e outros, é apagada e vil, acho eu. E a do BPP, que, alegadamente, também ocultava crimes de branqueamento e outros, é "é apagada e vil", acho eu.
E a criatura que vem sempre a própósito destas apagadas e vis tristezas:
Será Dom Sebastião?


Vou colocar este post a comentar esta notícia do jornal Público
Sócrates sairá com imagem reforçada depois de esclarecido o caso Freeport, acreditam militantes

domingo, agosto 17, 2008

Segundo Capítulo: Pont Mans

Ao chegar a Pont Mans, sem me parecer que valia a pena fixar o nome da terra, dado que estava a meio de sítio nenhum, resolvi cirandar pelas redondezas. E que vejo???!!!

Uma imensa igreja, talvez seja mais exacto dizer uma basílica, tão grande como feia, em tons de azul, se não me engano, atrás de uma enorme imagem escultórica de nossa Senhora igualmente feia e azul, tudo isto rodeado de um espaço muito amplo e muito dividido, como se fossem necessário tantos pátios, caminhos, muros, etc. Fiquei assombrada. O que era aquilo? Numa França tão cheia de catedrais sofisticadas e antigas, uma coisa daquelas...

Apesar de haver tanto espaço, não se via vivalma, o que adensava o mistério: para quê uma igreja tão grande numa terra sem ninguém?

De repente vejo aparecer uma senhora com todo o ar de ser muito religiosa e austera, o que aqui chamávamos uma "beata". Não era simpática, mas mesmo assim dirigi-me a ela e perguntei o que era aquilo.

Mirou-me consternada e ofendida. Eu falava muito bem francês e a senhora não podia sequer imaginar que uma francesa nunca tivesse ouvido falar de Pont Mans.
- Desculpe, é que eu sou estrangeira, na verdade, sou portuguesa...
- E portuguesa mas nasceu aqui?!
- Não, nada disso, sou mesmo estrangeira...
- Julga que me engana? Veio para cá em criança e quer-me convencer de que...
- Não, eu de facto estou aqui só há quinze dias...

Depois de a ter convencido, ela explicou-me: antes de ter aparecido em Lourdes, a Nossa Senhora apareceu em Pont Mans. Mas o santuário de Lourdes e o culto da Nossa Senhora de Lourdes acabaram por ofuscar a adoração de Nossa Senhora de Pont Mans, que, contudo, ainda era importantíssima em França. E concluiu perguntando-me com ar magoado:
- Mas vocês, lá em Portugal, nunca ouviram falar da Nossa Senhora de Pont Mans?
Pelo modo como falou, dir-se-ia que ela própria nunca tinha ouvido falar da Nossa senhora de Fátima, também concorrente da sua, mas nessa época, Fátima não tinha tanta fama internacional como tem hoje.
Tentando não a desiludir nem ofender mais, lá me escapei como pude, pedindo desculpa, dizendo que nunca ouvira falar... sumindo do mapa.

Alguns anos depois, ao estudar a poesia e a vida de Antero de Quental, descubro o seguinte.

Este nosso grande poeta, um dos primeiros ateus por obrigação, agnóstico, era torturado pela dúvida, sendo atraído pela religião católica, que contudo negava com veemência, como atitude filosófica.

Numa noite de tempestade, colocou-se à frente de uma igreja, ao cimo das escadas, afirmando que Deus não existia e desafiando-o a provar-lhe o contrário.

- Se existes, manda que um raio me destrua, a mim, que te nego! (Palavras minhas).

Não aconteceu nada, a não ser os seus amigos escritores e ateus, entre eles Eça de Queirós, terem-lhe posto o apelido de Santo Antero.
Então, Antero, aguardando uma prova, um sinal da existência de Deus, viu esse sinal na aparição da Nossa Senhora em Pont Mans, a primeira das "modernas" aparições.

Tão emocionado ficou, que se reconverteu ao catolicismo, creio que só temporariamente, como é próprio dos seres torturados pela dúvida, e escreveu então alguns dos mais belos poemas místicos da língua portuguesa.
Musicados posteriormente, são hoje muito conhecidos do grande público e vou transcrever aqui dois deles.

Cenas dos próximos capítulos (se os houver): De Pont Mans à cidade do Porto. (Continuação da minha viagem).






Sonetos de Antero de Quental

Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.




Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despôjo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.




Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,




Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!




Obtido em "http://pt.wikisource.org/wiki/Na_m%C3%A3o_de_Deus"



Cheia de Graça, Mãe de Misericordia


N'um sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizivel anciedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza...


Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade...
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na natureza...


Um mystico soffrer... uma ventura
Feita só do perdão, só da ternura
E da paz da nossa hora derradeira...


Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa...
E deixa-me sonhar a vida inteira!


Obtido em "http://pt.wikisource.org/wiki/%C3%81_Virgem_Santissima"

quinta-feira, abril 10, 2008

Molho de Grelos



Comprei este molho de grelos e coloquei-o nesta jarra.
A natureza surpreendeu-me com toda a sua pujança e esplendor.
porque será que desvalorizamos as flores das plantas comestíveis?


Gostava de escrever um poema japonês "haiku", comparando a humilde beleza das flores da couve com a perecível e inútil beleza da orquídea. Por exemplo.

Ver poemas japoneses em Escrevedoiros, nesta data.
Posted by Picasa

quarta-feira, março 26, 2008

Navegar é preciso (ainda)

Vem aqui muita gente procurando entender a frase de Fernando Pessoa:


"Navegar é preciso viver não é preciso"


Tive que reformular o post em que falo disto. Ver neste blogue a entrada (e comentários). Já agora, aceitam-se opiniões

http://terraimunda.blogspot.com/2007_05_01_archive.html

terça-feira, janeiro 01, 2008

Dia 1 de Janeiro de 2008


Alguém veio cá procurar o pôr-do-sol do dia 1 de Janeiro de 2007. É curioso que tenha procurado isso e mais ainda que tenha enconntrado algo desse género aqui. Agora o 1º dia de 2008 apresenta-se escuro, fusco e ainda por cima sem chuva, "mais sombrio que as noites". Faz-me lembrar um dos meus poemas preferidos, do meu poeta favorito, Baudelaire. Que aí vai.
Spleen : Quand le ciel bas et lourd pèse comme un couvercle
Quand le ciel bas et lourd pèse comme un couvercle
Sur l'esprit gémissant en proie aux longs ennuis,
Et que de l'horizon embrassant tout le cercle
Il nous verse un jour noir plus triste que les nuits ;
Quand la terre est changée en un cachot humide,
Où l'Espérance, comme une chauve-souris,
S'en va battant les murs de son aile timide
Et se cognant la tête à des plafonds pourris ;
Quand la pluie étalant ses immenses traînées
D'une vaste prison imite les barreaux,
Et qu'un peuple muet d'infâmes araignées
Vient tendre ses filets au fond de nos cerveaux,
Des cloches tout à coup sautent avec furie
Et lancent vers le ciel un affreux hurlement,
Ainsi que des esprits errants et sans patrie
Qui se mettent à geindre opiniâtrement.
- Et de longs corbillards, sans tambours ni musique,
Défilent lentement dans mon âme ;
l'Espoir, Vaincu, pleure, et l'Angoisse atroce, despotique,
Sur mon crâne incliné plante son drapeau noir.
Baudelaire

terça-feira, novembro 20, 2007

Autogénese Poema de Natália Correia



Uma nossa recente amiguinha deste blogue, auto-designada por Luanda, pede-me que coloque aqui o poema completo "Autogénese" de que já coloquei parte em Setembro do ano passado. Vou enviar-lho por email como pediu, mas tenho muito gosto em colocar aqui esse magnífico poema da Natália Correia, que conheci pessoalmente e que me deu muitos momentos de fruição estética. Diz este poema, se bem o entendo, que cada um se faz a si mesmo, desde que não se deixe influenciar incontroladamente por aquilo que o rodeia. Concordo e a Luu também, acho eu.
Afinal a Luu diz que tem um disco do Vinícius com a Amália em que a Natália canta isto. Espero que nos mande essa música, pois não conheço.

(Mais tarde: acrescento este vídeo, com o poema dito pela própria Natália Correia).
AUTOGÉNESE


Nascitura estava
sem faca nos dentes
cómoda e impura
de não ter vontade
de bater nas gentes.

Nasce-se em setúbal
nasce-se em pequim
eu sou dos açores
(relativamente
naquilo que tenho
de basalto e flores)
mas não é assim:
a gente só nasce
quando somos nós
que temos as dores;


pragas e castigos
foram-me gerando
por trás dos postigos
e um fórceps de raiva
me arrancou toda
em sangue de mim.

Nascitura estava
sorria e jantava
e um beijo me deste
tu Pedro ou Silvestre
turvo namorado
do verão ou de outono
hibernal afecto
casca azul do sono
sem unhas do feto.

Eu nasci das balas
eu cresci das setas
que em prendas de sala
me foram jogando
os mulheres poetas
eu nasci dos seios
dores que me cresceram
pomos do ciúme
dos que os não morderam;

nasci de me verem
sempre de soslaio
de eu dizer em junho
e eles em maio
de ser como eles
às vezes por fora
mas nunca por dentro

perfil de uma estátua
que não sou de frente.

Nascitura estava
e mais que imperfeita
de ser sorte ou dado
que qualquer mão deita.

Eu nasci de haver
os bairros da lata
do dedo que escapa
dos sapatos rotos
da fome que mata
o que quer nascer
e que o sábio guarda
em frascos de abortos;

eu nasci de ver
cheirar e ouvir
dum odor a mortos
(judeus enlatados
para caberem mais
mas desinfectados)
pelas chaminés
nazis a sair
de te ver passar
de me despedir
de teus olhos tristes
como se existisses.

Nascitura estava
tom de rosa pulcra
eu me declinava
vésper em latim:
impura de todos
gostarem de mim.