quinta-feira, maio 03, 2012

Duas plantinhas: apelo mudamente ensurdecedor






Hoje choveu muito em Lisboa. Ao passar numa rua residencial dum bairro popular (Campo de Ourique), no passeio por baixo duma varanda, encontro estas duas plantinhas. Com raiz cada uma e deitadas no chão. E ouvi que elas me disseram:
- Nadinha, por favor, leva-nos para a tua casa, planta-nos num vasinho com um nadinha de terra e um nadinha de água.  Que ainda agora estávamos naquele vaso ali em cima na varanda, muito juntinhas a outras como nós e agora estamos aqui. PLEEEEASE!!!
A minha gestora de conta, a Telma,  deu-me um nadinha de papel para eu as embrulhar, não antes de  eu lhe ter sujado o gabinete um nadinha, com as raízes e com o pó, com  a terra...








O vasinho tinha uma terra seca e dura, mas, com as pazinhas e um nadinha de água....
Assim pudesse eu levar para minha casa todas as criaturas que mo pedem de forma muda e ensurdecedora!
Ensurdecedoramente silenciosa! 
Cenas dos próximos capítulos: fotos das plantinhas já nascidas. (Tê-las-ia metido só em água, se não parecessem catos, que pedem pouca água. Quase todas as outras plantas medram e desenvolvem-se num vaso só com água.)

Eu não sou pugilista!

- Eu não sou pugilista!
- Ai o Senhor não é pugilista?
- Não.
- Mas então, o Senhor já foi pugilista?
- Eu, não.
- E gostava de ser?
- Eu não. Eu não sou mesmo nada pugilista! Entende a menina? 
-Ah!

Este diálogo passava-se há alguns anos, dentro de um táxi lisboeta, entre a Nadinha e um taxista. Intrigada por estas misteriosas afirmações, a Nadinha, que se dirigia, no táxi, a caminho de um local identificado com ideias e pessoas feministas e tendo explicado isto ao taxista, estando já um nadinha baralhada com esta do pugilismo, acaba por lhe perguntar:
- Mas afinal, porque é que o senhor me diz que não é, nunca foi e nem quer ser pugilista?
- Então, menina, eu estou-lhe a dizer que não sou pugilista dessas mulheres femininistas! 

- AH!!! Não é apologista do feminismo?
- Eu, não. 

Esta portuguesa língua de Camões!  Que já era tão complicada no tempo do grande épico...



Pessoas que nos inspiram

Numa homenagem póstuma a Miguel Portas, foi fácil de concluir que, afinal, ainda há políticos que despertam a admiração, o respeito e a simpatia dos portugueses. Mesmo descontando o nosso gosto mórbido por mortos e moribundos, há um fundo de verdade no facto de toda a gente ter partilhado no Facebook páginas e mensagens sobre ele. E nunca foi considerado corrupto ou incoerente ou populista, apesar do irmão que tem e de certas atitudes do Bloco de Esquerda.

Surpreende qualquer um ler o blogue da mãe de Miguel Portas, Helena Sacadura Cabral, ambos descendentes do aviador Sacadura Cabral. (Estas pessoas são muito conhecidas em Portugal, mas este blogue tem leitores em vários países).

Esta mulher é, a partir de hoje, e para mim, alguém que me merece respeito e admiração, alguém que me inspira. 

O blogue chama-se Fio de Prumo

A pergunta que deixo é já antiga e é sempre a mesma: por que razão os portugueses só votam no PSD e no PS, apesar de já ninguém acreditar nestes dois partidos e apesar de acreditar em pessoas de partidos minoritários?

quarta-feira, maio 02, 2012

Mas também há boas notícias, afinal





Aung San Suu Kiyy, após 15 anos de cativeiro político, assumiu um mandato como deputada da Birmânia e fê-lo como se prestasse um grande favor ao governo ditatorial do país, cedendo um pouco, depois de ameaçar não ceder, num volte-face que só consegue quem tem a paciência de um Job e a determinação tranquila de um Ghandi.
E mais: foi-lhe atribuído e Prémio Nobel da Paz em 1991, mas não o pôde receber até hoje, por ser prisioneira política e por estar impossibilitada de sair do país.
Assim, o primeiro país que vai visitar é a Noruega, para receber, simbolicamente, esse prémio.
É uma mulher invencível, mas é também um sinal dos tempos. Para além de ser giríssima. (Mas, em 15  anos de prisão domiciliária, pouco mais poderia fazer do que pôr-se bonita e coquette, digo eu.)





Este blogue tem inumeros posts sobre esta mulher, que muito admiro e que nos inspira, incluindo links para petições online, pedindo a sua libertação. Basta clicar nas tags abaixo com o nome Aung San Suu Kiyy. Aparece este post e muitos outros a seguir, sobre esta mulher. alguns do tempo em que parecia imposssível a actual situação.

1º de Maio, dia do consumo desenfreado









Fui ontem ver e fotografar a manif da UGT, aproveitando para ir também à feira do livro, ou vice-versa. Surpreendeu-me por ser tão pequena. Apesar dos percalços laborais e sindicais, nada me fazia esperar uma tão grande ausência de manifestantes, numa altura em que existem cada vez mais razões para protestar. Este molhito de gente que se vê na 3ª foto era já a concentração final e nas duas primeiras ainda tentei apanhar o máximo de pessoas, mas é como vêem.Concluí que estaria tudo na CGTP. Claro.Uma amiga que mora perto da Fonte Luminosa diz-me que a da CGTP é tão pequena, que até os automóveis circulam normalmente.Afinal, estava tudo enfiado no Pingo Doce a fazer compras.Pode??? Não é um atentado à democracia? E os trabalhadores, para não fazerem greve, receberam nesse dia o triplo. E até mereciam bem mais, pelo que tiveram que aturar.Diz-me um rapaz que veio cá fazer uma reparação:- "Fui lá com a minha avó! Por causa dela, claro. Ela ganha 360 Euros de reforma... comprámos 400 euros de mercadoria e pagámos 200. Valeu a pena! Mas nós só fomos para o Pingo Doce depois de a minha avó ter ouvido dizer que estava tudo numa bandalheira. - Vamos lá também, rapaz!"Passaram 8 horas na fila para pagar e diz ele que a pior confusão era na área das garrafas de whisky e outras bebidas caras. As pessoas disputavam-nas, bebiam-nas lá, saíam com elas sem pagar... Enfim, era um kafarnaum.Perguntei-lhe se comeu e bebeu produtos sem os pagar. Claro que sim.Este rapaz vai perder a casa que comprou recentemente e ainda vai ser obrigado a pagar a TV cabo pelo período de 1 ou 2 anos...Que vidas! É esta gente que pode ser manipulada por uns e por outros.Mas parece que se vai seguir agora a ofensiva do Colombo e do Minipreço.Aguardemos as cenas dos próximos capítulos. Até pode ser que fiquemos a ganhar qualquer coisa... em termos de dinheiro, quero dizer. Fernando Pessoa e Camões talvez não concordassem com esta minha ideia de "ganhar"...

segunda-feira, abril 30, 2012

Abacaxis maduros e galinhas velhas

Ao fazer compras num qualquer supermercado, constatam-se dois efeitos secundários da crise e, claro, da falta de previsão das compras.
Há uns meses seria impossível comprar abacaxi maduro, comia-se verde ou deixava-se amadurecer em casa. Como existe menos gente a comprar, estão agora maduríssimos, quase a apodrecer em toda a parte. A propósito, não se devem colocar no frigorífico, porque o frio estraga-os. 
Também com os frangos aconteceu o mesmo: amadureceram pelo mesmo motivo e, em vez dum frango* tenrinho, compra-se agora uma galinha velha, sendo que a longevidade das galinhas aumentou.
E o seu conforto também vai aumentar, senão vejamos: foi recentemente noticiado que ia haver um abate de 3 milhões de galinhas (aqui não se fala em frangos) portuguesas porque os aviários não tinham gaiolas suficientemente grandes. Perante o espanto de abater as galinhas para melhorar as suas condições de vida, é considerada a hipótese de não as matarem, mas vão ter direito a melhores condições de espaço.
Ao contrário dos portugueses. Que cada vez têm menos espaço e menos condições.



"Frango escrito assim, no masculino, embora seja franga, claro."


Post Scriptum (não confundir com PS): Em países do Oriente, quando se procede ao abate de tantos animais, é feita uma cerimónia religiosa. Aqui estes animais são tratados como lixo, enquanto outros o são como príncipes.

domingo, abril 29, 2012

Donos de Portugal




Aqui fica um vídeo, demonstrando que o grande capital português e as "grandes famílias" foram promovidos pelo salazarismo.
Por aqui já podemos entender a preferência dessas famílias e apaniguados por Salazar. E por um catolicismo arcaico e obsoleto.
Mas... e as crianças, senhor? Porque é que também defendem Salazar e esse catolicismo salazarento?
Demonstra também que essas empresas dependiam da repressão política. Mas nunca pagaram por isso, pois não???

quinta-feira, abril 26, 2012

870 000 fotografias de Nova Iorque






Serão, em breve, colocadas online 870 000 fotografias de Nova Iorque, mostrando a cidade em diferentes fases da sua história.
Muito interessante.

quarta-feira, abril 25, 2012

Ps a favor do enriquecimento ilícito: apagada e vil tristeza

Todos os partidos se juntaram recentemente contra o PS, para criminalizarem o enriquecimento ilícito.
Porque será que o PS não quer?
Neste interim, Soares resolve acusar o atual governo da situação de crise que vivemos, propondo, implicitamente, o PS como salvação.
Desde quando é que a salvação é a própria doença?

E lá tivemos um triste 25 de Abril, sombrio e lépido, o único dia de chuva fria e intensa, nos últimos tempos.

Filme português Tabu: quem é o meu vizinho?

Fui ver este filme, Tabu, que é uma seca razoável a preto e branco, com a moda do preto e do branco numa paisagem africana que deve ser muito colorida, mas que imaginamos a preto e branco por ouvirmos falar e por ter ficado registada em vídeos sem cor, nessa época colonial.

Tem alguma graça, às vezes, e sobretudo a graça de podermos imaginar que a velhinha que é a nossa vizinha do lado talvez seja uma criatura aventurosa que teve uma fazenda em África, ou mesmo uma antiga passionara e assassina...
E o velhinho do lar de velhinhos talvez tenha sido um mata-corações, caçador de leões e de jacarés em África... ao ponto de uma mulher cometer um crime por ele.

Ele há cousas!!! 

Sempre que as personagens se deslocam, vão acompanhadas de vários negros que fazem tudo, com toda a submissão. Provavelmente reflete a realidade da época, mas faz impressão.

terça-feira, abril 24, 2012

Les paradis artificiels / les enfers artificiels







Os paraísos artificiais, Les Paradis Artificiels, título de um livro de Baudelaire, (homem que vivia muito à frente da sua época), os paraísos artificiais são também, no mínimo, infernos artificiais.


Vejamos o caso da Disneyland, que só conheci recentemente e por motivos alheios à minha escolha.


A criatura que desempenha o papel de Minnie é todos os dias aclamada mais do que uma vez por milhares de pessoas, mas nenhuma olha para ela. Só para a máscara.
Que inferno será sentir os olhos da multidão postos em nós, sorrindo, meigos, doces, admirativos, mas  sem nos verem...
E ouvir o patrão, ou alguém do género, criticar:
- Tu não és engraçado / a
- Tu já faltaste duas vezes neste mês. Tu pensas que eu ando a roubar?!


A Minnie não pode vacilar, the show must go on...


- Ouve, eu já não suporto aquele gajo! Salta-me para a espinha, eu até cedo, mas depois ele quer o quê? O quê?! - diz a Minnie, ainda vestida com as vestes da dita.


- Eu estou estafada de andar aqui a dançar, cheia de speed, toda a gente me diz adeus, dançam comigo... e depois, quando saio daqui, ninguém me conhece!
- Fora daqui! já foste substituída!
- Substituída? Eu sou a Minnie... como me podem substituir a mim? A mim?
- A outra Minnie já lá vai. Atrasaste-te. Rua!


Disneyland, lugar onde os adultos vão brincar como crianças... para poderem esquecer e para poderem deixar passar as fraudes, as corrupções, as rebaldarias, que nos fazem cada vez mais pobres e cada vez mais idiotas. 

domingo, abril 22, 2012

Adieu, Mercozy! Aufwiedersehen!


O segundo candidato da esquerda apelou a uma campanha activa contra Sarkozy e a favor do socialista François Hollande.
A declaração provocou lágrimas de alegria a Ségolène Royal, a anterior opositora de Sarko. Também a Le Pen esteve contra ele...


Só é assustadora a ascensão da extrema direita, mas, "enquanto o pau vai e vem, descansam as costas", como diz o povo.


Sempre Mulher


Quarta classificada, mas com as cores da corrida









Realizou-se hoje a Corrida Sempre Mulher, destinada às mulheres e tendo por causa a combater, o cancro da mama.
Foi uma festa, como habitualmente, com a diferença que desta vez foi pelo centro de Lisboa: Restauradores, Avenida da Liberdade, Marquês, Saldanha, virar, Marquês, Avenida da Liberdade, Restauradores. Talvez para chamar a atenção dos e das lisboetas, que muito protestaram pelo corte do trânsito.
É uma corrida fácil, só 5 km que podem ser feitos a caminhar, mas com a alegria própria das mulheres quando se juntam. Neste caso, teve a pequena dificuldade de parte do percurso ser a subir: a Avenida da Liberdade.
Muitos italianos me perguntaram o que era aquilo, ao verem-me artilhada com a Tshirt, o dorsal e tudo o mais.
É que, em Itália, o 25 de Abril também é feriado, também é dia da libertação e os italianos não estão a fazer tantas poupanças assim... apesar da crise.
Os turistas ficavam todos encantados com esta vivência alegre e colorida do centro da cidade, pode ser que levem a ideia para a terra deles.
A corrida serve para incentivara as mulheres a praticarem desporto, ainda considerado coisa de homens e sobretudo, de homens sentados no sofá a ver futebol na televisão.
A parte competitiva sai primeiro.
A mulher que ganhou a corrida demorou quase 15 minutos a fazer o percurso de 5 kms, quando chegou, ainda algumas de nós mal tínhamos cruzado a linha da partida. Não pude fotografá-la. Corria tanto, que ninguém a via.
Ficam aqui as fotos das 2ª, 3ª e 4ª.
E do ambiente, num dia sombrio mas ameno. A primeira vez que apanhei alguma chuva.
Na primeira vez que se corre, cometem-se alguns erros, como levar uma blusa pollar (demasiado quente) ou mesmo guarda-chuva. LOL.
O melhor mesmo é levar uns blusões impermeáveis que, dobrados, cabem na palma da mão. Ou dentro da mochilinha.



Sem pressa de chegar ao destino e cortar a meta, o importante é sentir as ótimas energias e curtir o percurso. Se formos muito depressa, acaba logo.

(Fotografias de telemóvel Blackberry, para não ir carregada com a máquina fotográfica)

sábado, abril 21, 2012

Braga ou Cabul?

É com perplexidade que se lê esta notícia sobre o hospital de Braga, que proíbe o pessoal de se vestir como quiser, impondo regras só vistas no Afeganistão sob os talibãs.
Desde que Sócrates deu um poder absoluto a gente medíocre como ele, na direção dos serviços públicos, não paramos de nos espantar com a vocação inquisitorial de tanta gente.
Mas isto tem um lado moderno: vem da América, como de costume, e chama-se dresscode
Só importamos da América o que não presta, com tanta coisa boa que lá há: hamburgers, coca-cola, dresscode, falsa moral, Disneyland, etc... 

VER AQUI

Nunca vivi em Braga, mas conheci pessoas que são de lá e que se queixam da religiosidade excessiva. 


Acabei de colocar no blogue Escrevedoiros, a propósito do filme Dos homens e dos Deuses este pensamento de Pascal: 


"Nunca fazemos o mal tão plenamente e tão alegremente como quando o fazemos por convicção religiosa".


Ou, no original:


“Jamais on ne fait le mal si pleinement et si gaiement que quand on le fait par conviction religieuse”. (Blaise Pascal)







Mas têm o cuidado de dizer que " este código de conduta só é aplicável no local de trabalho."

Ou seja, na cidade de Braga, ainda é permitido circular de cabelos flamejantes, unhas de gel e de barba por fazer, isto no caso dos homens.

quinta-feira, abril 19, 2012

Catedral de Chartres






Catedral de Chartres, expoente máximo da arquitetura gótica, em Chartres, no azul de uma tarde primaveril e francesa.

VER INFORMAÇÃO AQUI

Abaixo a monarquia! São parvos, ou fazem-se?



Não estamos bem servidos de políticos, nesta nossa República Portuguesa, mas ao menos podemos correr com eles. Como já tem acontecido.
Será difícil para nós entendermos que os nuestros hermanos e outros se sujeitem a aguentar um qualquer rei ou uma qualquer rainha, desde que seja descendente legítima dos anteriores reis, ou o pareça ser.
Juan Carlos é o presidente honorário, em Espanha, do maior Fundo para a Proteção da natureza, o WWF (World Wilf Fund). E caça elefantes.
Ainda não chegámos ao ponto de exigir que os amantes de animais sejam vegetarianos, mas lá chegaremos.
O Cartoon aqui exposto foi retirado da Internet.


Podemos também assinar a petição online, para que deixe de ser presidente do WWF.
AQUI

sábado, abril 14, 2012

Filme: O Exótico Hotel Marigold





Vi ontem, em antestreia, um ótimo filme, como há tempos não via nenhum.


A acção decorre na Índia, aonde foram parar várias pessoas da terceira idade, desiludidas com o seu status no país de origem e, aparentemente iludidas pelo sonho de um rapaz indiano e lunático, de fazer um hotel para a terceira idade, transformando para isso um estabelecimento hoteleiro que herdou, degradado e falido.
O filme é extremamente engraçado, sem ser um filme cómico e mostra-nos como, num novo mundo e numa nova era em que vivemos, a idade tem muito que se lhe diga.

Titanic: e depois? Uma herdeira da companhia de navegação, uma freira clarissa...









Não poderia este blogue, que tanto ama os mares, deixar passar, sem o referir, o centenário do naufrágio do Titanic.

O Titanic, que naufragou faz hoje cem anos, pertencia à companhia de navegação White Star Lines.

A herdeira dessa companhia, filha adotiva do principal proprietário, chamava-se Amy Pollard (Amy Elizabeth Rosalie Imrie), e era oriunda da Guiana Inglesa.

Apesar da fortuna que herdou, entrou para a irmandade católica das Clarissas descalças, uma ordem contemplativa que faz voto de pobreza. Morreu em 1944, após uma vida de abnegação, tendo doado o dinheiro para a construção de igrejas e capelas, como a de Santa Maria dos anjos, em Liverpool, cidade que hoje a venera. Para além de muitas obras de caridade que financiou e da doação da mansão familiar para ser transformada em convento (franciscano) das Clarissas, o primeiro nos Estados Unidos.


terça-feira, abril 10, 2012

O ovo místico






O milagre da vida realiza-se todos os dias. O ovo que se transforma em ser. O ser que se transforma em ovo. E tudo recomeça.

António Lobo Antunes: crónica de arrasar



Nação valente e imortal

Agora sol na rua a fim de me melhorar a disposição, me reconciliar com a vida. Passa uma senhora de saco de compras: não estamos assim tão mal, ainda compramos coisas, que injusto tanta queixa, tanto lamento. Isto é internacional, meu caro, internacional e nós, estúpidos, culpamos logo os governos. Quem nos dá este solzinho, quem é? E de graça. Eles a trabalharem para nós, a trabalharem, a trabalharem e a gente, mal agradecidos, protestamos.


Deixam de ser ministros e a sua vida um horror, suportado em estóico silêncio. Veja-se, por exemplo, o senhor Mexia, o senhor Dias Loureiro, o senhor Jorge Coelho, coitados. Não há um único que não esteja na franja da miséria. Um único. Mais aqueles rapazes generosos, que, não sendo ministros, deram o litro pelo País e só por orgulho não estendem a mão à caridade. O senhor Rui Pedro Soares, os senhores Penedos pai e filho, que isto da bondade as vezes é hereditário, dúzias deles. Tenham o sentido da realidade, portugueses, sejam gratos, sejam honestos, reconheçam o que eles sofreram, o que sofrem. Uns sacrificados, uns Cristos, que pecado feio, a ingratidão. O senhor Vale e Azevedo, outro santo, bem o exprimiu em Londres. O senhor Carlos Cruz, outro santo, bem o explicou em livros. E nós, por pura maldade, teimamos em não entender. Claro que há povos ainda piores do que o nosso: os islandeses, por exemplo, que se atrevem a meter os beneméritos em tribunal. Pelo menos nesse ponto, vá lá, sobra-nos um resto de humanidade, de respeito. Um pozinho de consideração por almas eleitas, que Deus acolherá decerto, com especial ternura, na amplidão imensa do Seu seio. Já o estou a ver

- Senta-te aqui ao meu lado ó Loureiro
- Senta-te aqui ao meu lado ó Duarte Lima
- Senta-te aqui ao meu lado ó Azevedo que é o mínimo que se pode fazer por esses Padres Américos, pela nossa interminável lista de bem-aventurados, banqueiros, coitadinhos, gestores que o céu lhes dê saúde e boa sorte e demais penitentes de coração puro, espíritos de eleição, seguidores escrupulosos do Evangelho. E com a bandeirinha nacional na lapela, os patriotas, e com a arraia miúda no coração. E melhoram-nos obrigando-nos a sacrifícios purificadores, aproximando-nos dos banquetes de bem-aventuranças da Eternidade.
As empresas fecham, os desempregados aumentam, os impostos crescem, penhoram casas, automóveis, o ar que respiramos e a maltosa incapaz de enxergar a capacidade purificadora destas medidas. Reformas ridículas, ordenados mínimos irrisórios, subsídios de cacaracá? Talvez. Mas passaremos sem dificuldade o buraco da agulha enquanto os Loureiros todos abdicam, por amor ao próximo, de uma Eternidade feliz. A transcendência deste acto dá-me vontade de ajoelhar à sua frente. Dá-me vontade? Ajoelho à sua frente indigno de lhes desapertar as correias dos sapatos.
Vale e Azevedo para os Jerónimos, já!
Loureiro para o Panteão já!
Jorge Coelho para o Mosteiro de Alcobaça, já!
Sócrates para a Torre de Belém, já! A Torre de Belém não, que é tão feia. Para a Batalha.
Fora com o Soldado Desconhecido, o Gama, o Herculano, as criaturas de pacotilha com que os livros de História nos enganaram.
Que o Dia de Camões passe a chamar-se Dia de Armando Vara. Haja sentido das proporções, haja espírito de medida, haja respeito. Estátuas equestres para todos, veneração nacional. Esta mania tacanha de perseguir o senhor Oliveira e Costa: libertem-no. Esta pouca vergonha contra os poucos que estão presos, os quase nenhuns que estão presos como provou o senhor Vale e Azevedo, como provou o senhor Carlos Cruz, hedionda perseguição pessoal com fins inconfessáveis. Admitam-no. E voltem a pôr o senhor Dias Loureiro no Conselho de Estado, de onde o obrigaram, por maldade e inveja, a sair. Quero o senhor Mexia no Terreiro do Paço, no lugar D. José que, aliás, era um pateta. Quero outro mártir qualquer, tanto faz, no lugar do Marquês de Pombal, esse tirano. Acabem com a pouca vergonha dos Sindicatos. Acabem com as manifestações, as greves, os protestos, por favor deixem de pecar. Como pedia o doutor João das Regras, olhai, olhai bem, mas vêde. E tereis mais fominha e, em consequência, mais Paraíso. Agradeçam este solzinho. Agradeçam a Linha Branca. Agradeçam a sopa e a peçazita de fruta do jantar. Abaixo o Bem-Estar.
Vocês falam em crise mas as actrizes das telenovelas continuam a aumentar o peito: onde é que está a crise, então? Não gostam de olhar aquelas generosas abundâncias que uns violadores de sepulturas, com a alcunha de cirurgiões plásticos, vos oferecem ao olhinho guloso? Não comem carne mas podem comer lábios da grossura de bifes do lombo e transformar as caras das mulheres em tenebrosas máscaras de Carnaval.
Para isso já há dinheiro, não é? E vocês a queixarem-se sem vergonha, e vocês cartazes, cortejos, berros. Proíbam-se os lamentos injustos. Não se vendem livros? Mentira. O senhor Rodrigo dos Santos vende e, enquanto vender, o nível da nossa cultura ultrapassa, sem dificuldade, a Academia Francesa. Que queremos? Temos peitos, lábios, literatura e os ministros e os ex-ministros a tomarem conta disto.
Sinceramente, sejamos justos, a que mais se pode aspirar? O resto são coisas insignificantes: desemprego, preços a dispararem, não haver com que pagar ao médico e à farmácia, ninharias. Como é que ainda sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem? Da mesma forma que os processos importantes em tribunal a indignação há-de, fatalmente, de prescrever. E, magrinhos, magrinhos mas com peitos de litro e beijando-nos uns aos outros com os bifes das bocas seremos, como é nossa obrigação, felizes.



António Lobo Antunes, in Revista Visão