O palhaço rico atravessa a pista do circo ou o écran da televisão
(O que é agora a mesma coisa)
E confessa:
"Eu confesso!" "Não, eu não confesso!
Antes direi, por mim, a verdade relativa:
Perdi a virtude, a honestidade, a fé...
Quem as não perde?
Com este dinheiro que ganhei, pude comprar muitas coisas
E todos me admiram por eu ter muitas coisas
Sou rico! Sou um palhaço... Que importa?
Todos se riem de mim, mas todos me admiram, no fundo.
Tanto foi o que perdi, pobre de mim...
Ninguém me ama, todos me desprezam
Fiz aquilo que todos fazem, mas muito melhor:
Entre os palhaços ricos, há-os muito menos ricos do que eu...
Vejam estas coisas que eu tenho, eu tenho tantas coisas:
Anéis, jóias, carros, casas, barcos, jardins,
Tudo isto ganhei com o suor do meu rosto,
Com a vergonha da minha cara, que perdi.
Se é de ouro falso que tudo em mim rebrilha
Que importa?
Eu tenho muitas coisas, tenho tudo o que é preciso
E muito mais
Sonhar, já não sonho a não ser a dormir
Realizei todos os meus sonhos... essa é a parte chata da questão
O que posso desejar ainda, me perguntareis vós:
Ser mais rico e mais palhaço ainda
Fazer rir toda a gente e mostrar as minhas coisas
Fazer rir às gargalhadas, para sempre
E chorar por dentro...
(Os palhaços também choram, sabiam?)
Porque perderam a ilusão e o sonho,
Porque todas as coisas são demasiado coisas e envelhecem
E existirão todas elas depois de mim, pertencendo a outros
Eu, pobre palhaço rico, chorarei então por dentro e por fora,
Pois já nada me pertence:
Tudo o que eu sou, comprei.
Tudo o que poderia ter sido, vendi.
Tudo o que não fui, o que poderia ter sido... esbanjei.
Graciete Nobre, Lisboa, Fevereiro de 97
(Outubro de 2014: Escrevi este poema em 2011 e detesto-o. Mas não o apago, porque cada vez é mais verdadeiro.)