Alguns senhores importantes, com o acordo das autoridades portuguesas, decidiram recentemente mandar muitas criancinhas soltar muitos balõezinhos junto ao Padrão dos Descobrimentos, para comemorar um facto importante e que ninguém sabia:
Queriam fazer esta comemoração no Brasil, na Copa do Mundo, mas os brasileiros não estiveram para aí virados. Que lhes interessa um rei Português que deixa Portugal aos filhos? Ou às filhas, caso não tenha filhos machos.
As dúvidas, é claro, são muitas:
Então a Língua Portuguesa não existia antes de o testamento ter sido escrito? Então como conseguiu escrevê-lo numa língua que ainda não tinha nascido?
Julgaríamos nós, ignorantes, que foi o povão, ao alterar o latim enquanto falava, dando pontapés na gramática a torto e a direito, com influências de outros falares, que foi aos poucos parindo esta nossa bela língua, segundo os processos normais da evolução fonética, semântica, etc... mas não.
Outra dúvida: até há pouco tempo, considerava-se que o primeiro documento conhecido escrito em língua portuguesa era a "Notícia do Torto" (de 1212). Numa visão mais romântica e mais consentânea com outros símbolos e mitos nacionais, houve mesmo quem dissesse que o primeiro texto foi um poema. Talvez de amor.
Enfim, o povo português ignorou regiamente a data e a efeméride e continua a dar pontapés na gramática, com risco de inventar ainda uma nova língua.
Senhores importantes: já que a realidade pouco importa para esta coisa de mitos e de símbolos, como se comprova ao terem escolhido o terceiro texto mais antigo, em vez do mais antigo que se conhece (o que dava muito jeito por coincidir com o Mundial de Futebol), escolham antes um poema e digam que foi um poeta que pariu a língua portuguesa, tal como aconteceu com a Italiana, a mais bela do mundo.
Dadas as atuais preferências musicais portuguesas e brasileiras, talvez um poema erótico-satírico seja o mais indicado. Parecido com as cantigas do Quim Barreiros.
Há muitos desses e até piores, na Idade Média.
P.S.: A língua portuguesa está maravilhosa, não precisa para nada do Mundial de Futebol e recomenda-se - ao contrário das sua congéneres europeias, encontra-se em expansão, ao fim de 800 ou 900 anos: nas ex-colónias portuguesas, as pessoas deixam de falar os pequenos dialetos locais, trocando-os pelo português, língua de comunicação universal e língua de cultura.
Quem precisava muito de uma promoçãozinha mundial eram os senhores muito importantes, porque, assim, ainda ficavam mais importantes.