Todas as terras julgam chamar-se A Terra. Todas as terras são, para quem mora nelas, o Umbigo do Mundo.
Sempre que desembarquei em terra, depois de ter navegado pelos mar, senti que a terra era imunda. E enjoei.
Telefonando para a agência de viagens a ver se já tinham vindo os papéis, perguntam-me o nome da senhora que me atendeu. Como não sei, pedem-me uma descrição. Que idade poderá ter? Não faço a mais vaga ideia.
- É loura, de olhos azuis e muito bonita.
- Não temos cá nenhuma loira nem de olhos azuis.
- Olhos verdes? - Perguntei, a medo.
- Não!
- Muito bonita.
- ...........
- ...........
- Não estou a ver...
- Talvez um bocadinho forte... quase gorda...
- Ah, é a Marta!
Não me peçam retratos falados. Só vejo o âmago das pessoas e aquela pareceu-me linda.
P.S: Este ferreiro morreu em Dezembro de 2011, com 76 anos e a trabalhar, mais por gosto que por necessidade. Por essa altura, o site Fórum Português de Ferro Forjadocitou este blogue criando um link para aqui. Desde então, vêm cá muitos visitantes provenientes de diferentes países, como Israel, Estados Unidos, etc. Se fosse um pouco mais cedo, poderiam tê-lo contactado. Ocorre-me que deve ser possível comprar estas ferramentas, que uns franceses meus amigos tinham querido comprar, já no século passado.
O Ferreiro da Cêpa (ver post anterior) disse-me algo que todos nós já esquecemos e que seria óbvio no seu tempo: - Sabe, eu tive a vantagem de saber ler e escrever! E começou logo a falar na sua professora primária, uma professora mítica, mais famosa do que o pão branco, ainda hoje. A alcunha por que ficou conhecida diz tudo: a Vaca Loira. (Para além do sentido óbvio, também se chama popularmente vaca loira a um insecto enorme, com umas pinças grandes, uns "cornos" que eram utilizados na ourivesaria, para fazer brincos e pendentes. Esse bicho, que não vejo há séculos, também se chama Biscorna.)
A dita professora era terrivelmente cruel com os alunos, impunha as letras e os números pelo terror e pela pancadaria, transformando as suas aulas num verdadeiro martírio de ignorantes. Quem, apesar disso, não conseguisse aprender a ler, a escrever e a contar, ainda que mal, então não seria normal. Mas todos conseguiam. O próprio ferreiro está-lhe muito grato. - Eu não era santo nenhum. Se calhar apanhava como os outros, mas aprendi. E isso é que interessa!
Ainda conheci essa senhora, uma velhinha minúscula, quase centenária, ainda loira e, então, muito simpática. Costumava dar-me cerejas da sua enorme cerejeira e rosas de Santa Teresinha do seu jardim, quando eu era pequena e passava perto da casa dela. Gostou de mim, não sei porquê. Não se aborrecia nada com o cognome, que lhe dava fama. O marido, igualmente minúsculo, tomava todos os dias banhos de água fria, caminhava dez quilómetros, era muito cómico e, como só calçava o número 35, costumava responder, aos que lhe perguntavam a idade: - Eu ando em 35. Eram pequeninos, alegres, leves e felizes. Talvez tivessem a impressão de terem cumprido a sua nobre missão... ela como serva de Atena, ele como marido, pois não tinham filhos. As grandes missões são contrárias à maternidade.
Talvez se tenha inspirado na deusa Atena, que já nasceu armada e com capacete de guerreira, porque é difícil combater a ignorância e a sua aliada, a preguiça.
Se eu fosse professora, tentaria impôr-me, não pelo terror mas pelo amor, conceito muito mais moderno, pois só o amor pode, agora, vencer as trevas. E porque continua a ser difícil combater a ignorância.
Como habitualmente, estou a passar uns dias na região do Douro Litoral e procuro coisas para vos mostrar. A crer na MissMarple da AgathaChristie, não é preciso sair duma terra pequena para abarcar o universo.
Deve haver, na Europa Ocidental, muito poucos ferreiros como este, o Ferreiro da Cêpa, filho e neto de ferreiros, que teve amabilidade de fazer alguns trabalhos só para eu ver, fotografar e filmar.
Na segunda foto, uma das peças da "máquina", do banco de fazer dentes nas foices, é um osso de boi, como se vê. Tinha ido buscar alguns nesse dia, que era preciso talhar e aplanar para ficarem assim...
Como eu não sabia, muitos não devem saber que Salvador Dali escreveu um romance. Um único, relativamente autobiográfico, ou pelo menos baseado nas pessoas e ambientes que conheceu.
Intitula-se "Visages Cachés" e retrata a alta sociedade parisiense, na parte que li até ao momento, durante a ascensão de Hitler e em vésperas de a França entrar em guerra.
O principal problema das personagens é o tédio, até mesmo a guerra é bem vinda como variação. São pessoas hipócritas, cínicas, decadentes, como o título indica, mostrandoa máscara em vez do rosto e sem saber já qual é o rosto ou se têm algum, extremamente artificiais, mas amando, por isso mesmo, a naturalidade e espontaneidade de alguns poucos, sobretudo dos que não pertencem ao meio.
Como qualidade principal desta obra um pouquinho monótona, a profusão de descrições muito artísticas, nada surrealistas mas apontando para as artes visuais, sendo também notável a observação perspicaz do comportamento feminino, até no modo que têm as mulheres de se relacionarem e de sentirem entre si, sem a presença dos homens, que poucos homens terão a oportunidade de conhecer.
Embora acusado de narcisismo, Dali compreende e parece amar as mulheres
Narro aqui um acontecimento importante que ocorreu há pouco mais de cem anos, a 9 de Agosto de 1906.
O naufrágio do Navio italiano Sirius.
Transportava emigrantes italianos para o Brasil e soçobrou na costa espanhola, alegadamente porque o comandante (que estava a dormir e que foi um dos primeiros a abandonar o navio, sendo preso depois), teve a intenção de embarcar mais emigrantes clandestinos em Espanha, embora a embarcação já estivesse superlotada e sem meios de salvar tanta gente.
Foram dados como mortos 300 emigrantes, como desaparecidos 200 e também morreu o Bispo de São Paulo, no Brasil, entre muitas outras pessoas.
A canção Sirius, que exprime esta tragédia, ficou célebre, mas foi proibida durante a ditadura brasileira. Mesmo assim, a colónia italiana ainda repete uma frase muito bonita:
"Quem não souber por quem rezar, reze por aqueles que estão no mar".
Ou talvez estejam mesmo no fundo do mar, o que talvez seja mais um motivo para rezar por eles.
O vídeo aqui apresentado, muito interessante, mostra fotografias da época, fotografias do actual micro ecossistema marinho em que foram transformados os despojos do navio, ao largo da costa espanhola e ainda a bela canção italiana "Il Sirius"
"China desenvolve comboio magnético que atingirá os 600 quilómetros por hora 03/08/2010 Segundo o “El Mundo”, que por sua vez cita o periódico “China Daily”, esta velocidade alcançar-se-á através de túneis despressurizados que reduzirão a resistência ao ar. Este comboio Maglev – comboio magnético que circula ‘levitando’, sem fricção entre as carruagens e os carris) necessitará inclusive de menos aço na sua construção."
Encontrei esta notícia no Bpi online, de onde se conclui que a viagem de Lisboa - Porto poderá ser feita em meia-hora, num futuro próximo, com um sistema diferente do TGV.
Esta revista é muito boa, uma das melhores ou a melhor revista portuguesa sobre o assunto. Sobre arte contemporânea e leilões de arte e antiguidades.
O número de Agosto está particularmente interessante. Tem uma página de fãs no Facebook.
As capas, como esta, são de certa forma inquietantes e sempre surpreendentes. Não estamos à espera de ver uma revista com uma capa assim.
No caso presente, tal como acontece com a pintura de Paula Rego, esta fotografia conjuga, num único gesto, uma expressão de delicadeza e talvez de crueldade, a crueldade que é transmitida pela indiferença. A crueldade feminina. Poderia parecer uma fotografia a preto e branco, se não fosse a incidência nas mãos e nas flores. Destacando um gesto misterioso e ambíguo.
P.S.: quem gosta de ler as minhas histórias, deverá ver o meu blogue Escrevedoiros amanhã, dia 1 de Agosto.
Fui ontem outra vez à minha médica naturista, o que é sempre uma aventura. Mas desta vez o meu respeito por ela aumentou de tal maneira, (já contei isso aqui) que trouxe todos os frascos, pós e azeites, caríssimos, que me vendeu.
Manda-me comer peru, feijão raiado, que suponho ser feijão catarino e endívias assadas. Fácil:
- Por favor, traga-me um prato de peru, acompanhado por feijão raiado e por endívias assadas. E traga-me também um batido de ameixa com figo e sementes de abóbora, com um nadinha de água e gelo... se faz favor!
...
- Ai não tem? Mas não tem o quê? Nada? Nem mesmo peru? Hummm...
"Então traga-me dois pastelinhos de bacalhau e um copinho de vinho branco".
É claro que me fez muitas outras recomendações: manda-me fazer um jardim, ainda não sei como nem aonde, mas vou pensar nisso, manda-me pintar e tocar tambor. Pintar já faço às vezes, tocar tambor nunca me passaria pela cabeça...
E afirma, categórica:
- "Estes maricons que nos gobiernam (fala espanhol) é gente que conseguiu castrar quem realmente tem valor. Aqui e em toda a parte". [Traduzido]
Não podemos deixar que nos roubem o nosso valor, entiendes?! A mim ninguém me tira o meu poder. Nada nem ninguém, ouviste? Não deixes que te tirem o teu poder. Ouviste? Nada nem ninguém.
Esta Grande Verdade, não vos está a parecer tão arrepiante como me está a parecer a mim? E, por outro lado, é uma coisa boa... o dinheiro para erradicar as doenças talvez apareça de repente... se é assim tão fácil...
Gostava de ir a São Tomé. Aconselham a vacina da febre amarela, mas não é obrigatória para europeus, creio que é obrigatória para impedir que outros povos a levem para lá. Acontece o mesmo na Índia. Lendo recentemente um livro de Jack London, fico a saber que a pessoa está óptima hoje e amanhã morre de febre amarela.
Como não consigo, este ano, decidir aonde ir, desde que desisti da Índia, único lugar que realmente me interessava, pensei também em voltar a Cabo Verde.
A última vez (e primeira) que lá fui, parti o nariz, o que foi óptimo! Aliás, podem ver-me aqui neste blogue, de nariz alegremente partido, inchado e azul. Há uns 3 anos por esta altura.
Foi óptimo, porque o parti de forma grave aos sete meses. Apresentava, desde essa idade, dificuldades respiratórias, mas não tinha a noção delas. Tinha muita dificuldade em nadar e mergulhar, fazer ginástica e Yoga, mas parecia ser aselhice. E riamo-nos da minha falta de jeito... O otorrino já me tinha aconselhado a fazer a cirurgia, mas para quê? Depois de o ter partido outra vez em Cabo Verde, lá fiz a pequena cirurgia com o maravilhoso Dr. Diogo. E fiquei outra. Nadar, correr, mergulhar, não ter o nariz torto, etc...
Uma das poucas coisas de que gostei na ilha do Sal, não vi as outras ilhas, foi de uma enorme piscina de água salgada onde, mesmo assim, passei várias horas. Como não tem pé, não anda lá gente a patinhar e a empecer. E agora passaria lá o dia inteiro, pois não gosto de praia e foi na praia que parti o nariz.
Antes que me perguntem: não fui ao hospital nem a lado nenhum, fui só ao Dr. Diogo no Inverno, quando já mal podia respirar...
P.S.: Dizem que a ilha do Sal só tem interesse para praia, se fosse agora, iria a S. Vicente. Ou às duas, para nadar na tal piscina...
A minha médica naturista aconselha a que passemos pelo menos um dia sem comer, de vez em quando, ou de preferência, três dias seguidos. Acha que faz bem.
Pelo contrário, quando qualquer português está mal disposto e sem vontade de comer, dizem-lhe logo: "come, precisas de te alimentar". Isto, mesmo que esteja sobrealimentado, como estamos quase todos. De facto, nesta situação não se deve comer nada...
Comemos tudo e sempre e podemos basear-nos na Religião Cristã para o fazer: aparentemente, o deus Cristão, tudo o que colocou na terra foi para benefício do homem, que pode dispor de tudo e comer tudo o que lhe apetecer. Aliás, os cruzados cristãos foram acusados pelos árabes, são-no ainda hoje, de terem comido árabes. Pergunto-me se está escrito na Bíblia que isto não se pode fazer. Creio que não, há-de estar implícito, mas não explicitado.
Mas vejamos outra versão dos factos. No Jardim do Paraíso, o que é que o homem tinha para comer?
Apenas frutos. Talvez isso queira dizer que os frutos são o que Deus nos deu para comermos.
Isto faz sentido, não creio que houvesse cebolas e couves no Jardim do Éden, mas, ao apanharmos as cebolas e as couves, estamos também a matar, matamos os animais e as plantas. O que não acontece com os frutos.
Os frutos são realmente feitos para comer.
Quanto às sementes, na maior parte dos casos não as comemos, mas mesmo depois de comidas e ingeridas e digeridas, algumas delas podem ainda nascer...
Pouco ou nada entendemos de alimentação, a não ser quando nos interessamos por certas dietas... e mesmo assim pouco ficamos a saber.
Há quem considere que a alimentação, só por si, é capaz de curar quase todas as doenças, é mesmo esse o princípio de certas medicinas, como a Ayurvédica que está hoje a ser imitada por muitos ocidentais.
Na sua autobiografia, Mahatma Gandhi conta as muitas experiências que fez com a comida e o modo como se curou ou curou alguém desse modo. Também conta que, estando a sua esposa muito mal, recusou autorização para que o médico lhe desse caldo de carne, que considerava indispensável, mas que era contra a s suas convicções religiosas, por ser vegetariano. Levou-a para casa e curou-a à sua maneira, usando leite em vez de carne.
Também conta os muitos votos que foi fazendo ao longa da vida. De cada vez que fazia um, renunciava a quase tudo, ou a tudo mesmo, diríamos nós. Mas depois fazia outro em que renunciava ainda mais a tudo... o que antes parecia impossível.
Quando fez o voto de castidade, concluiu que, para não ter pensamentos libidinosos, teria de renunciar ao leite. Quando nos passaria a nós pela cabeça que o leite tivesse esse efeito? Acabou por comer só fruta e mais tarde decidiu ainda que só poderia comer 5 variedades diferentes num dia, para evitar que as pessoas lhe oferecessem banquetes de fruta, com muita variedade.
Ainda narra como a sua mãe passava muitos dias inteiros sem comer, na intenção de fazer jejum. Por exemplo, fazia o voto de só comer quando o sol surgisse visível. Gandhi e os irmãos ficavam à espera que o sol nascesse para a chamarem, mas , na época das monções (agora), às vezes o sol não chega a estar visível vários dias: resignada, dizia "Deus não quis que eu comesse hoje"
O que nós chamaríamos uma pessoa anoréxica, mas não era assim que a consideravam e antes alguém com grande espírito de sacrifício...
Descobri também recentemente que pessoas que se dedicam intensamente à meditação julgam necessário fazerem uma alimentação especial, de onde são também retirados alimentos como cebola, alho e cogumelos. Alho e cebola são excitantes e os cogumelos são considerados por eles parasitas de coisas imundas, para além de poderem ser alucinogéneos. Para nem falar do álcool, claro.
Fui ontem ver e ouvir a Maria Betânia a ler poesia na Casa Fernado Pessoa, aqui ao pé.
Parêntesis para afirmar o seguinte: a Inês Pedrosa tem feito coisas extraordinárias pela Casa Fernado Pessoa, que estava às moscas antes de ser ela a directora e mesmo quando era a Clara Ferreira Alves. Não há comparação possível. É o que se pode chamar uma gestão criativa.
Por exemplo: inventou uma medalha de mérito para distinguir gente que fez muito pela poesia de Pessoa ou pela poesia em geral e chamou-lhe "Medalha do Desassossego", por causa do Livro do Desassossego de Fernando Pessoa - Bernardo Soares. Ofereceu-a no Brasil a Maria Betânia, que ficou tão orgulhosa com a distinção, ao ponto de a trazer ontem ao peito, de a mostrar e de se oferecer para fazer este magnífico espectáculo. Grátis. Para quem está habituado a pagar bem caros os espectáculos desta diva...
Betânia mostrou-se diferente, mais familiar, mais natural e até modesta. É claro que as condições acústicas e outras não eram as ideais, mas a voz é a mesma que era há 10 ou 20 anos, o que é surpreendente. E a inspiração também é a mesma.
Gostei particularmente da ideia que teve de homenagear um seu professor de português do liceu, liceu esse situado naquilo a que chamou "o recôncavo da Baía", afirmando que o ensino público (no Brasil) pode ser óptimo. Disse o nome do professor, declamou um poema dele e informou que o irmão, Caetano Veloso, também seu ex-aluno, musicou alguns dos seus poemas e que ambos lhe estão agradecidos por lhes ter desvendado a poesia.
Foi bom ouvir isto, todos sabemos que alguns professores podem ser estruturantes da nossa personalidade e inspiradores da nossa sensibilidade, mas poucos o afirmam assim alegremente, a esta distância temporal.
O problema foi mesmo encontrar lugar. Algumas pessoas foram para a fila às 11 horas, o espectáculo era às 17:30 e começou às 18. Pessoas que chegaram às 15 horas não entraram, mas houve quem chegasse às 17:15 e entrasse. Por mim, confiei na inventiva da Inês Pedrosa, que já me surpreendeu várias vezes. Cheguei às 16:45 e esperei. Parecia impossível entrar, mas, vejamos: houve muitas pessoas que desistiram; a certa altura, abriu-se a sala de baixo, onde foi colocado um plasma gigante e muitas cadeiras; mais tarde, abriu-se a porta para o jardim, onde foram colocadas colunas de som - como estas pessoas não viam nada, só ouviam, tiveram direito a bebidas grátis.
Enfim, quem não tem cão caça com gato. Nunca tive nenhuma admiração especial pela Inês Pedrosa, mas neste aspecto não tem igual: revela uma grande modéstia, também, uma simplicidade, uma criatividade e um engenho, que a colocam a milénios-luz das eminências-pardas a que estamos habituados, sem ideias, sem capacidade de agir, mas cheios de farroncas.
Esperemos os desenvolvimentos... o que há-de vir...
Pouco sabemos e pouco queremos saber sobre o que se passa num país como a Índia, que no entanto tem evoluído de forma estrondosa nos últimos tempos, em muitos aspectos, talvez todos.
Politicamente, para além dos conflitos com o Paquistão, que nos despertam interesse por causa da bomba nuclear que ambos têm, há uma espécie de guerrilha maoísta nos estados mais pobres.
Esta guerrilha, que tem feito muitos atentados, nomeadamente a comboios, pretende a independência desses estados e a instauração, neles, do regime comunista-maoísta. Como ainda existe o sistema de castas e os intocáveis, pessoas que nem sequer podem tocar nas outras por serem consideradas impuras, trata-se de uma estranha democracia.
Vê-se na imagem, em Bihar, uma mulher do congresso a atirar vasos de flores, como forma de protesto contra a corrupção do governo. No site, há também um vídeo, e antes disso, a oposição havia atirado microfones, cadeiras e secretárias. E chinelos.
Apesar de estar neste momento com muito trabalho, vou entrar de férias de hoje a uma semana e, como todos os anos, ando a tentar decidir, com dificuldade, aonde ir.
Tinha a intenção de visitar a Índia, mas todos me aconselham a não ir agora. De facto, é uma viagem difícil em termos físicos e psicológicos, que me seduz muito, em parte pelo lado espiritual, em parte pelo exotismo, que, no entanto, os escritores indianos exprimem ser obra do passado, estar ela a tornar-se incaracterística. Mas não é por isso que ainda não vou. Diversos factores me fizeram, ao contrário do costume, aceitar o conselho.
Fico a pensar: aonde ir? Se mesmo a Índia já não é a Índia e se calhar nunca deveria ter sido, em certos eventos... ou mesmo, se nunca foi...
Fui buscar o poema "Opiário" de Fernado Pessoa - Álvaro de Campos, que diz, com um século de antecedência, mais ou menos o que sinto hoje. Como não sou nada pessimista, ao contrário de Campos, embora seja niilista como ele, pelo menos na opinião da Clara, como aprendi a não ser depressiva e neurasténica, vou colocar aqui apenas as partes do poema com que me identifico ainda e quase totalmente. Censurem-me, se quiserem, por ter censurado o tio Álvaro. Às vezes colocam-me neste blogue críticas medonhas que não apago.
Quanto à viagem, talvez vá para o mar, como sempre. É a última fronteira, o único lugar diferente e desconhecido. Sem gente. Ou com gente vivendo à distância de um fio. Como diz Platão: " Há três tipos de homens: os vivos, os mortos e os que andam no mar".
Opiário (Excertos)
Eu acho que não vale a pena ter Ido ao Oriente e visto a Índia e a China. A terra é semelhante e pequenina E há só uma maneira de viver.
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Fumo. Canso. Ah uma terra aonde, enfim, Muito a leste não fosse o oeste já! Pra que fui visitar a Índia que há Se não há Índia senão a alma em mim?
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Não posso estar em parte alguma. A minha Pátria é onde não estou.
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Pertenço a um género de portugueses Que depois de estar a Índia descoberta Ficaram sem trabalho. A morte é certa. Tenho pensado nisto muitas vezes.
Leve o diabo a vida e a gente tê-la! Nem leio o livro à minha cabeceira. Enoja-me o Oriente. É uma esteira Que a gente enrola e deixa de ser bela.