A noite vai descendo lentamente, muito lentamente
Sobre esta parte da terra antes do mar,
No centro do Ocidente do mundo (conhecido)
A dádiva do repouso acaricia finalmente
As nossas cabeças inclinadas, entregues à febre do tempo
Muitos nunca vão esquecer este dia que agora acaba em sombras,
Quase todos o olvidarão para sempre
A luz desaparece lentamente, muito lentamente...
Ouvem-se as vozes, diálogos familiares, falas tranquilas do dia que assim se extingue na cidade
Ouvem-se os sons da água que corre, invisíveis cascatas, ou fontes dos jardins escondidos e dos quintais ocultos
Ouve-se o som surdo das rodas dos automóveis, cada vez mais espaçado, mais lento, na cidade que repousa
Muitos dormem
E outros partem para a aventura da noite
Podemos descansar se quisermos, podemos partir se quisermos nesta cidade noctívaga
A lua cheia e a estrela do pastor aparecem agora, tranquilamente
Lembrando-nos a placidez dos campos, das terras longe, noutras paragens
Dizem-nos que nada mudou. E que tudo muda sempre?
Que nada mudou, dizem:
- Voltamos sempre aqui, mais ou menos a esta hora. Aqui e a toda a parte...
Dizem-nos que a luz há-de vir todos os dias e todas as noites
"Para ti" - quase parecem sussurrar
- SÃO MAIS OS MORTOS DO QUE OS VIVOS - ciciamos baixinho, como se ninguém nos escutasse,
Nas trevas que se adensam, medonhas, e para cá dos montes, já quase invisíveis
- São mais os vivos - parece tranquilizar-nos a luz obscura, a escuridão tenebrosa, a claridade ambígua do luar
- Porque todos foram vivos, um dia.
E todos tiveram medo da escuridão,
Como tu
Muitos dormem!
Graciete Nobre, Julho, 2010