Adoro a pintura de Turner, quase toda vocacionada para o mar e para a navegação por mar, com tudo o que o mar nos pode trazer: navegações tranquilas, batalhas tenebrosas, terríveis tempestades.
Fui ver o filme, com grande expectativa.
Mas...
Creio que vou gostar da próxima vez que o vir, ultrapassada já a deceção de ver a personagem principal, o pintor Turner, como criatura vulgar, quase grotesca, quase ridícula. Seria assim? Mas não era assim que eu o imaginava.
Ultrapassado esse grande handicap, poderemos ver uma tentativa de reconstituição da época, muito rigorosa, embora mantendo e reconstituindo as cores e os tons da pintura de Turner.
Quanto à biografia, escapam, pela positiva, dois ou três episódios: quando Turner manda que o amarrem ao mastro do navio para poder ver e sentir uma enorme tempestade, ficando depois muito doente, pois sofria dos brônquios, quando, pouco antes de morrer, sai de casa descalço e em trajes menores, para pintar uma rapariga que morreu afogada, quando diz as suas últimas palavras: "O Sol é Deus!".
Até aí, vemos um ser talvez superior num corpo feio e grotesco, com uma personalidade grosseira, a não ser no que diz respeito à arte. Trata as pessoas de forma grosseira, nomeadamente as mulheres, revelando grande insensibilidade, revelando uma sensualidade animalesca e desprovida de emoção e afeto, o que se traduz por pouco amor e pouco apreço que recebe. A não ser da parte da criada, que o ama, porque não está habituada a ser respeitada.
Entendi, talvez, assim: Turner mostra-nos o lado belo das coisas tenebrosas. O filme faz o oposto, mostra o lado feio do pintor. Muitíssimo feio. E chato.
As paisagens e outras imagens do filme são bonitas e enquadradas nos tons da sua pintura, mas o filme evita algo de muito difícil: a relação com o mar. O mar é quase sempre visto à distância, falado, referido, mas nunca encenado, nunca encarado de frente.
E, no entanto, é esta a grandeza da sua arte: uma relação justa com o mar.
Se vale a pena ver? Sim. Com reservas.