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quarta-feira, julho 03, 2013

Afinal, basta cuspir-lhes em cima

O motivo próximo para a demissão de Gaspar foi terem-lhe cuspido, num supermercado onde foi com a mulher.

Então, fizemos tantas greves gerais, tantas manifestações, tantas lutas que não tiveram qualquer efeito e bastou que cinco ou seis pessoas tentassem cuspir no Gaspar para que se demitisse e caísse o governo?

Esta gente costuma ser recebida com grande respeito, pompa e circunstância, com aqueles carrões pagos por nós a dar um ar de importância... o povinho facilmente se desbarreta perante símbolos do poder ou de dinheiro. Mas é por pensar que pode ganhar alguma coisa com isso.

Sempre disseram que Gaspar não tem a noção da realidade. Nem ele, nem os outros políticos.

O Soares avisou, chamaram-lhe senil. Mostrando grande respeito por um político  a sério..

VER AQUI

Faz-me lembrar o livro J'irai cracher sur vos tombes , romance policial de Boris Vian, publicado, como os outros policiais, sob o seu pseudónimo Vernon Sullivan. Também em filme.


terça-feira, maio 28, 2013

"Aquela escritora preta muito famosa"

- Olhe, viemos agora da feira do livro e estava lá aquela escritora preta muito famosa!
- Escritora preta muito famosa? Quem ?
- Então você, que entende dessas coisas, não sabe quem é a escritora preta que é muito famosa?
- Não conheço nenhuma escritora preta muito famosa!
- Não conhece?!!!
- Vocês viram-na?
- Sim, vimos, ela estava a fazer uma palestra e nós estivemos lá, a ouvir.

Este diálogo passava-se entre a Nadinha e um grupo de conhecidos, que gostavam de parecer ricos, cultos e très chic... ricos, não eram...

- Mas então, vejam lá se descobrem como se chama essa escritora preta muito famosa!
- Ah, já sei! Chama-se Mia Couto!
- Ah!!! Eu, por essa descrição, não chegava lá!
LOL

Parabéns ao Mia Couto, aquele escritor africano e branco de pele, muito famoso, que acaba de ganhar, muito merecidamente, o Prémio Camões.


VER AQUI A NOTÍCIA

sexta-feira, abril 26, 2013

Os Guerreiros do Arco-Íris



Um dos mais belos livros que já li, Os Guerreiros do Arco-Íris. É o primeiro do escritor indonésio Andrea Hirata e já existe em filme, que nunca passou em Portugal.
Narra uma história autobiográfica, cuja ação decorre numa miserável escola numa ilha remota, com dois professores não pagos, que trabalham noutra coisa para se sustentarem e com dez alunos.
Narra os milagres de abnegação dos professores e os milagres de entusiasmo e de capacidade de sonho dos alunos.

O autor consegue transmitir-nos a alegria, a inocência, a inconsciência e a espontaneidade da infância.
Nesse aspeto faz um pouco lembrar A Criação do Mundo, de Miguel Torga, a ler obrigatoriamente também, se ainda não conhece.

Ver aqui entrevista com o autor e excertos do filme.


domingo, janeiro 27, 2013

Livros inspirados nas uvas e no vinho

Acabo de ler Ervamoira, um romance histórico abarcando várias gerações do fabrico do vinho do Porto e descrevendo a própria cidade do Porto em diferentes épocas.
Escrito com espantosa sensibilidade e com um surpreendente conhecimento da história cultural, económica e demográfica da região, aliados a uma inventiva que lhe permite narrar inúmeras estórias interessantes e originais, a obra de Suzanne Chantal consegue também mostrar o essencial da vida e do mundo, como se vistos através uma embriaguês, que apaga os contornos, sem ocultar a beleza do mundo, ignorando a monotonia dos dias e referindo vagamente, embora sem as esquecer, as partes menos belas da natureza humana.




Um outro livro que reli agora, foi O Catalão de Noah Gordon, também romance histórico, cuja ação principal decorre numa região vinícola espanhola, catalã, uma pequena quinta onde se cultiva uma vinha de fraca qualidade, que só serve para fazer vinagre. 



O protagonista vai viver para França, por razões políticas e / ou económicas, sem que exista grande diferença entre as duas razões, onde aprende como fazer vinho a sério, regressando à quintinha de vinagre, que já nem lhe pertencia... e mais não conto.





Nas duas obras, e talvez em muitas outras, o vinho serve de inspiração, tanto para a atitude dionisíaca perante a vida, como para o seu oposto, o trabalho duro, o dever...

É  a seiva, arrancada à pedra e à terra *, que circula pelos copos e pelos corpos, enchendo-os de prazer, moderado ou excessivo, a seiva pela qual o homem se supera a si mesmo, fazendo algo que a natureza não lhe ofereceu, e talvez mesmo Deus não lhe tenha oferecido.

Algo que se fabrica, de forma alquímica, com sangue, suor e lágrimas e riso e alegria e festa. E morte. E constante recomeço. Que são o resumo mesmo da vida. 


* O bom vinho só se dá em terrenos pedregosos e inóspitos. Ver a propósito uma improvável vinha que fotografei nas Canárias, em Lanzarote, em terreno vulcânico e seco. AQUI.



quarta-feira, agosto 08, 2012

Bloomsday? E por que não o dia do Dessassossego?

Sabem o que é o Bloomsday?


É um dia feriado na Irlanda, para comemorar o dia narrado no romance Ulisses, de James Joyce. A obra refere a "odisseia" de Leopold Bloom durante 16 horas do dia 16 de jinho de 1904, pelas ruas de Dublin, fazendo apenas coisas vulgares. É um livro imenso e chatíssimo, que pouca gente consegue ler até ao fim (a Nadinha nunca conseguiu, apesar de ser uma leitora compulsiva que até lê cartas, cartazes, listas de compras, ementas, etc).

Aparentemente, os poucos que conseguem ler até ao fim, adoram. 
No dia 16 de Junho na Irlanda e noutros países, celebra-se este romance, por exemplo, comendo o que comeu o Bloom, fazendo o que fizeram as personagens, o que é obra, dado que não fizeram nada de anormal.


Parece claro que, sendo a Irlanda um pequeno país muito nacionalista e orgulhoso, valoriza o pouco que tem.

E se nós fizéssemos o mesmo, em vez de embandeirarmos em arco porque tivemos uma medalha de prata nos Olímpicos que foi quase de ouro? E que é uma vergonha por ser tão pouco. Mesmo que fosse uma única vitória em ouro. 


O dia do Desasossego, o dia dos Maias, o dia do Amor (de Perdição), o dia da Blimunda, o dia... não digo mais por serem demais os livros bons. O dia do tio Luís (de Camões), o dia da Menina e Moça, o dia do tio Gil, em que se comia cabrito como no Auto da Índia, ("a metade dum cabritinho")...



O primeiro, dia do Desassossego, talvez seja o mais viável, dado que a Casa Fernando Pessoa já o tem, juntamente com várias ideias ligadas ao desassossego, propostas pela sua atual e ótima Directora, Inês Pedrosa. E que a palavra é muito expressiva, sendo que tudo e mais alguma coisa pode ser feito neste dia...



Poderia começar pela Câmara de Lisboa, tornava-se feriado em todo  o país, depois no Brasil... até já temos o precedente de o nosso dia nacional ser o de Camões, um poeta...


O dia do tio Pêro: da "Carta do Achamento do Brasil", dia que tinha pano para mangas. Na verdade, tinha pano para um fato. Facto? Fato? As pessoas poderiam fantasiar-se de Índios e de Descobridores, poderiam fazer muitas coisas que são narradas... nadar, andar de barco, sei lá... comer o que deram a comer aos índios no nau capitaina... até podia ser um dia de nudismo.

Vou enviar esta proposta à Casa Fernando Pessoa. Aos políticos não dou ideias. Roubavam-mas e ainda me acusavam de plágio. E tinham logo equivalência a escritores.

domingo, março 11, 2012

O Capitão Alatriste



A Rendição de Breda, Diego Velásquez

O Sol de Breda, romance histórico / romance juvenil de aventuras, escrito por Peres Reverte, é um dos vários livros deste autor que narra as aventuras e "desaventuras" do Capitão Alatriste, sob o ponto de vista do seu admirador e amigo Iñigo Balboa, que foi seu "mochileiro", digamos que foi seu pajem, quando era criança e jovem... O romance situa-se temporalmente na época da conquista da Flandres, situação histórica que é retratada nesta pintura.

E quem é este Capitão Alatriste? Numa primeira impressão, parece ser uma criatura ficcionada, totalmente inventada, mas não é. Trata-se de uma personagem simultaneamente real e mítica, um militar heróico, que foi referido por escritores espanhóis como Calderón de La Barca e até foi representado nesta tela de Velásquez.
Embora todos lhe chamassem capitão, foi quase sempre soldado raso, pois, assim que era promovido por atos de bravura, logo o despromoviam por indisciplina, ou por entrar em duelos com pessoas de classe superior...
Inigo Balboa, que veio a ser um nobre respeitado, escreve as suas memórias, em que narra as muitas aventuras que viveu com Diego de Alatriste, por terra e por mar, durante o reinado de Filipe IV rei de Espanha (o malfadado Filipe III, rei de Portugal). 
Neste livro são ficcionadas ambas as personagens reais,  sendo narrador o jovem, e são enfatizadas a coragem, a bravura, a indisciplina, a tendência amoral do exército espanhol, de que fazia parte o exército português, claro. 
Neste período da nossa história que desejaríamos esquecer, talvez gostemos de recordar como foi estranho, grandioso, realmente incrível.. É de recordar que Espanha detinha, nessa época, todas as colónias portuguesas.

Se, por um lado, é uma exortação da grandeza passada de Espanha, do Século de Ouro ou Siglo de Oro, não deixa de ser também uma denúncia das suas grandes misérias. Sem esquecer o orgulho espanhol. O exército português fazia, então, parte do espanhol, tal como o italiano, daí ser italiano o herói desta "rendição", Ambrósio de Spínola.

Neste livro, Diego de Alatriste e Inigo Balboa participam na conquista da cidade de Brede, na Flandres, cuja rendição é retratada na pintura de Velasquez "A Rendição de Breda", sendo figura principal o genovês Ambrosio de Spinola, à direita, na imagem. Como pormenor curioso, descobriu-se recentemente que a figura / retrato do Capitão Alatriste estava nesta tela, como o afirma Iñigo nas suas memórias, mas foi apagada (o que se vê radiografando a pintura e comparando-a com o seu manuscrito). Também foram apagadas as referências a Alatriste de uma peça de Calderón de la Barca, provavelmente, num caso e noutro, por ordem real.


Estranho, no mínimo. Apagado oficialmente das memórias oficiais, o Capitão Alatriste chega até nós, moderno e popular!
Escrevi isto porque me pediram, para ajudar a promover a leitura junto de jovens, sobretudo de romances históricos, ou algo assim.


E para quando um romance português com personagens contemporâneas de Gil Vicente, de Camões, de Vasco da Gama, escrito com orgulho, ironia que permita a distanciação do passado e sem sentimentos de inferioridade, nem demasiados complexos de culpa?


sábado, março 10, 2012

Sobre Agustina

Renascença V+Ver todos os videos
O mundo de Agustina

Rádio Renasceça




Agustina Bessa-Luís já não escreve. Está lúcida, mas não escreve. Neste vídeo, os familiares próximos falam dela como se fosse uma pessoa muito invulgar e estranha. E é.

sexta-feira, setembro 02, 2011

O Tigre Branco





Está na moda este autor, que ganhou o Booker Prize, exatamente com este livro, O Tigre Branco: Aravind Adiga.
A obra apresenta um retrato da Índia bem diferente daquele que imaginamos e que é simultaneamente exótico e místico. 
Surge-nos uma Índia terrível, imunda, corrupta, em que o crime e a miséria se relacionam de formas perversas, variadas e estranhas. Para só dar um exemplo, os ricos levam os pobres a assinar confissões em que assumem as culpas dos seus crimes. Por dinheiro e por medo de retaliações sobre toda a família. 
O vício de mascar um produto vermelho e cuspir por todo o lado uma saliva vermelha é constantemente referido.

Não deixa de ser curioso e mesmo irónico, que sejam estes autores indianos a ganharem os prémios da  escrita em língua inglesa. No fundo, sente-se neles a nostalgia da Inglaterra, país considerado civilizado. E sabemos todos do que dependem os prémios. Sendo uma avaliação, está dependente dos conceitos e preconceitos dos avaliadores.

Acontece o mesmo com os livros de Arundhati Roy, que também ganhou esse prémio com O Deus das Pequenas Coisas. É também um retrato desencantado da miséria, da segregação de castas, da imitação do Ocidente. Neste caso, a escritora é considerada anti-globalização, mas, depois de ler estes livros, somos levados a perguntamo-nos qual é o problema da globalização... quando o tão imitado Ocidente não tem problemas destes...

Se o que a Índia tem de tão estranho, invulgar e místico nunca é referido, a não ser como caricatura... sobressai nestes livros a luta entre religiões e o desprezo entre castas.

domingo, agosto 14, 2011

Os Piratas

Não é fácil escrever um romance, ou mesmo fazer um filme cuja acção decorra no mar, mas a tentação é grande, dada a apetência pelos temas marítimos. 
Vejamos: para haver uma história, tem de haver um problema; ora, os problemas no mar nunca são pequenos: tempestades, naufrágios... diria mesmo que são definitivos.

Há uma história muito interessante em si, a dos descobrimentos, mas ainda não se conseguiu ultrapassar uma dificuldade romanesca: a ausência de mulheres a bordo. O amor, não sendo indispensável num romance, é quase sempre o seu centro e ainda não se escreveram, que eu saiba, romances em que o comandante se tenha apaixonado pelo grumete ou pelo cozinheiro. O único mais ou menos interessante que li sobre os descobrimentos narrava as viagens de Diogo Cão, mas metia três mulheres, numa situação muito forçada e pouco verosímil, não pela sua presença ali, de facto havia mulheres nesses navios, mas pelas insólitas relações que se estabeleciam.

Existindo o relato autêntico da viagem de Vasco da Gama à Índia, a sua ficção romanesca apresenta dois problemas: o terrível feitio de Vasco da Gama, a diferença de mentalidades entre essa época e a nossa e, principalmente, a ausência de mulheres numa história muito longa. Camões resolveu isto à sua maneira: introduzindo as deusas, as ninfas, os amores e desamores entre os deuses, o episódio de Inês de Castro, etc...

Restam os piratas e, mais ainda, as piratas. Como quase todos os romancistas escrevem hoje para satisfazer o suposto gosto do público e do comércio, o tema dos e das alegadas piratas contorna a situação. Eles não têm problema nenhum, o leitor identifica-se com as personagens, deseja a sua vitória... é o que acontece com o filme Piratas das Caraíbas. Quanto às piratas, embora tenham existido, têm dado motivo a romances, desde ridículos a absurdos. Ver aqui um exemplo. Alguns interessantes, sim, mas só pela história e não pelas referências ao mar.
Há um filme maravilhoso sobre o tema, um dos meus preferidos, no geral, Cantando Por detrás das Cortinas, ou Cantando dietro i paraventi do qual coloquei excertos aqui e no Escrevedoiros.

Vem isto a propósito de um dos livros que ando a ler. Não é ficcional, é muito real, ao ponto de se supor que o seu autor teria sido pirata.
História Geral dos Piratas, Capitão Johnson. - Lisboa: Cavalo de Ferro, 2011


sexta-feira, julho 29, 2011

O Pavilhão das Peónias



Dizer que um livro é muito giro não é grande elogio, mas o que se oferece dizer sobre este é isso mesmo: é giríssimo.
Narra a vida de mulheres chinesas à época da queda da dinastia Ming, o que se deveu, em parte, à chegada dos europeus, no Sec. XVI, nunca referida, e à invasão Manchu.
A protagonista, Peónia, é uma jovem que morre de amor, por influência da sua heroína favorita, uma personagem de ópera. Ia casar aos 16 anos com o jovem que amava, mas não sabia que era ele o seu futuro marido, pois era assim, naquele tempo: estavam apaixonados, mas cada um deles julgava que ia casar com outra pessoa. Vivia numa casa grande, com pátios e jardins, só transporia o portão no dia do casamento, nunca tinha ido nem podia ir a alguns dos pátios interiores. Numa época em que outras mulheres começavam já a ter um certo tipo de liberdade.

Esta é a primeira de três partes. Nas outras duas, o espírito de Peónia vagueia pelo mundo, como o que chamaríamos "alma penada" e que se chama "espírito esfomeado".
No outro mundo é tudo exactamente igual ao que os chineses diziam que era. A avó, que encontra do lado de lá, diz-lhe mesmo que recorde aquilo que ouvia contar, para se orientar.
Nesse sentido, é muito original, uma viagem pelos rituais de vida e de morte chineses e respectivas crenças.
E é sempre tudo mau para as raparigas, claro. Vivas ou mortas.

Autora: Lisa See, editora Bizâncio. Comprei-o no espaço Docas, nas Docas.


De facto, existe a  ópera O Pavilhão das Peónias, escrita por um homem, a qual teve, sobre as mulheres chinesas dessa época, um efeito semelhante ao do Werter, de Goethe sobre os românticos, tendo havido muitos homens que se suicidaram sobre o túmulo do verdadeiro Werter, no qual se inspirou o escritor. 


A persongem Liniang, da ópera, não existiu, mas deu origem a muitas mortes por anorexia entre as mulheres da China, pois essa era mesmo a única maneira de não obedecer: não casar com o escolhido pelo pai, não fazer amor com o marido, etc. A única escolha possível era a morte. Por inanição.


A personagem do livro que li, Peónia, escreveu também um livro, que é uma interpretação desta ópera. É a primeira obra dentro do género, estudos literários, que existiu no planeta, Sec. XVI. Escreveu-o parcialmente, as outras duas autoras são as outras duas esposas do marido, que casou com ela depois de morta.
Bem, esta é a parte da verdade dos factos. Percebem? Esquisito... Se não percebem, tudo bem. Esqueçam.

terça-feira, junho 28, 2011

Manuscrito Encontrado em Saragoça

É um estranho livro. Na Linha do Decameron, de Bocaccio, Heptameron, de Margarita de Navarra, ou mesmo das Mil e Uma Noites, conta "inúmeras" histórias. A trama é aqui ainda mais intricada, porque, a certa altura, esquecemo-nos de quem conta a história de quem... 


Enfim, às vezes não percebemos nada, mas tudo bem!


Nos três livros referidos, Decameron, Heptameron  e Mil e Uma Noites, os narradores estão sentados, identificados e contam uma quantidade de histórias que tem significado numérico e talvez cabalístico. No primeiro caso, dez vezes dez (dez dias, dez pessoas), no segundo, sete vezes sete (sete dias, sete pessoas), no terceiro talvez mil e uma...
No Manuscrito Encontrado em Saragoça, trata-se de 66 jornadas, mas é tudo muito mais complicado.
As personagens narradoras não estão sentadas e identificadas, mas sim em viagem. Uma viagem muito atribulada, que as leva sempre, no seu termo, para o mesmo lugar, a estalagem de "Venta Quemada", junto da forca onde estão suspensos os dois irmãos enforcados.


Venta Quemada tanto pode ser um lugar ermo e em ruínas como uma espécie de hotel cinco estrelas de luxo asiático, variando dum extremo ao outro, sem excluir nenhum. Há só um problema estranho: depois de adormecerem numa luxuosa Venta Quemada, com sonhos ou práticas eróticas com umas mulheres que são dois diabos, os homens acordam entre os dois enforcados...
Cenas dos próximos capítulos...
Há também um filme de culto baseado no romance... Ver Aqui abaixo, dobrado em Espanhol.





Este post está em atualização, porque só agora acabei de ler o primeiro volume de dois. Volte a consultar. Compre o livro, leia-o nas férias, comente aqui, se quiser.


Manuscrito Encontrado em SaragoçaJan Potocki (1761-1815)

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Miséria poética

Navegando imaginariamente, enquanto janto, comendo e bebendo em frente às minhas janelas e olhando para o Monsanto, imagino e sonho que singro num navio no Mediterrâneo Oriental. Ou ao largo da Sicília.
As montanhas que vejo, (o Monsanto), ora são os montes gregos do Parnaso, ora as rivas escarpadas de certas regiões italianas, cujas cidades e vilarejos trepam a pique pelas encostas, alcandoradas nos penedos e ribanceiras, quais impacientes cabras monteses.


E ocorrem-me músicas e canções italianas: Torna a Surriento *... filmes italianos, telenovelas brasileiras em que entram pobres italianos, I Malavoglia **, magnífico retrato da miséria dos pescadores italianos. 


É uma miséria poética. Bella. 


Como hoje em dia tudo se vende, ou nada se vende, temos uma miséria vendável, literária e bela. Das regiões pobres de Itália. E a miséria comum, feia, escura e medonha. Nojenta e suja... Invendável, portanto! Como a nossa. E como todas as outras.



* No vídeo por Pavarotti, canção sobre a emigração italiana, de Nápoles, letra em dialecto napolitano. Ver letra em Escrevedoiros Clicar


**  Romance de Giuseppe Verga, autor também do libretto da ópera Cavaleria Rusticana... * (Trad. Cavalaria rústica / ou cavalheirismo rústico)


quinta-feira, setembro 09, 2010

Lazareto



Quando a minha amiga X, já referida (tive a intenção de fazer a viagem sozinha e foi assim que a iniciei, mas encontrei no navio uma amiga e uns conhecidos que passaram a amigos e mais umas pessoas que não direi)... e até mesmo uns desconhecidos que também passaram a amigos, acho eu, com a net tudo se torna possível.
Quando a minha amiga X me disse que isto era um Lazareto, pensei: está a confundir. Com estas muralhas, deve ser um forte. Mas depois o guia (da tal excursão de barco pelo porto de Mahon, ilha de Menorca), acabou por confirmar.

Vinham para este lazareto todos os doentes de Espanha que tivessem doenças contagiosas. As muralhas serviam para os impedir de fugir.

Isto impressionou-me vivamente, em termos humanos, sem dúvida e ainda mais em termos ficcionais: é óbvio que muitos foram mandados para lá para que a família se visse livre deles, apesar de serem saudáveis. E isto pelos mais variados motivos, que levem as famílias "honestas e sensatas" a quererem livrar-se de certos elementos: herança, honra, extravagância ou diferença dos familiares, ou seja, honra outra vez...

Podemos imaginar várias hipóteses, para pessoas que lá tenham sido colocadas pelas razões expostas: 1. Apesar de serem saudáveis, morreram com uma das muitas doenças contagiosas que lá se contraíam. 2. Sendo saudáveis, conseguiram resistir a todas as moléstias, tal como os médicos e enfermeiros e: ou saíram de lá, ou morreram de velhos, tendo ajudado uns e prejudicado outros.
Outra hipótese: conseguiram fugir e talvez embarcar para as colónias espanholas... ou portuguesas...

Tantas histórias que existiram na realidade e foram esquecidas! O mundo é feito de histórias esquecidas para sempre. Talvez seja função da literatura lembrar algumas, inventando-as. Uma das funções.

sábado, agosto 07, 2010

Romance de Salvador Dali

Como eu não sabia, muitos não devem saber que Salvador Dali escreveu um romance. Um único, relativamente autobiográfico, ou pelo menos baseado nas pessoas e ambientes que conheceu.
Intitula-se "Visages Cachés" e retrata a alta sociedade parisiense, na parte que li até ao momento, durante a ascensão de Hitler e em vésperas de a França entrar em guerra.
O principal problema das personagens é o tédio, até mesmo a guerra é bem vinda como variação. São pessoas hipócritas, cínicas, decadentes, como o título indica, mostrandoa máscara em vez do rosto e sem saber já qual é o rosto ou se têm algum, extremamente artificiais, mas amando, por isso mesmo, a naturalidade e espontaneidade de alguns poucos, sobretudo dos que não pertencem ao meio.

Como qualidade principal desta obra um pouquinho monótona, a profusão de descrições muito artísticas, nada surrealistas mas apontando para as artes visuais, sendo também notável a observação perspicaz do comportamento feminino, até no modo que têm as mulheres de se relacionarem e de sentirem entre si, sem a presença dos homens, que poucos homens terão a oportunidade de conhecer.
Embora acusado de narcisismo, Dali compreende e parece amar as mulheres

terça-feira, julho 13, 2010

Pearl Buck: A Grande Vaga



Ando a ler, entre outros, um livro que encontrei por um euro na livraria Ler Devagar, onde agora vou quase todos os dias: também tem um barzinho e mesas para ler. Está traduzido em francês, mas é o livro de memórias da Pearl Book intitulado A Bridge to Pass.
Como se trata de uma das minhas escritoras favoritas e dado que tenho agora tempo, venho de vez em quando à net à procura das coisas que refere, como um filme baseado numa sua novela que narra um Tsunami no Japão, " The big wave", ou o compositor que escolheu para a banda sonora, Toshirô Mayuzumi, etc.
É fantástico ler assim. Encontrei no youtube algumas cenas do filme, do qual a Pearl conta a rodagem... e que coloquei aqui , para vocês. Tão actual!
Um dia haverá livros assim, que incluem o filme, vídeos do autor, etc. Não me refiro ao futuro, é algo possível agora...

(Algumas pessoas que me conhecem na "vida real" consideram-me ingénua, idealista, poética, lírica, ou seja, parva, em parte por crer no futuro. Eu a elas só as considero estúpidas e ignorantes. Recentemente apaguei uma "amizade" no Facebook por ter feito um comentário desse tipo. LOL.).
Bendita net, que nos permite entrar em contacto com gente que nos entende!

Mas o que mais me surpreendeu foi a biografia de Pearl Buck, que desconhecia por completo: tendo tido uma primeira filha atrasada, é o nome que utiliza, dedicou parte da sua vida e da vida de toda a família a apoiar as pessoas "atrasadas" e suas famílias, assim como a procurar famílias americanas dispostas a adoptar crianças mestiças, por exemplo de chinês ou japonês e americano. Na época, essas pessoas eram rejeitadas, sendo símbolo dessa rejeição a ópera de Puccini Madame Butterfly.
Uma das famílias a adoptá-los foi a sua própria, tendo tomado conta de várias crianças.
Li mil vezes o livro The Good Earth traduzido como Terra Bendita ou Boa Terra.

P.S.:
Embora pareça baratíssimo este livro, que só custou um Euro e é óptimo e raro, andei à procura de livros desta escritora, que não tivesse lido, em Amazon. com e descobri vários a um cêntimode Dólar. Um cêntimo de Dólar é menos que um cêntimo de Euro. Mas nós somos ricos, podemos comprar livros caros.
Não acham?

quinta-feira, julho 08, 2010

"Há já muito tempo que eu ultrapassei o estado conservador e prudente da juventude"
Pearl Buck in A Bridge for Passing (minha tradução)

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

"O Viajante Cego" ou o Triunfo da Vontade

Ando a ler vários livros, mas sobretudo um que é fantástico.
É a história verídica, direi mesmo biográfica, de um dos maiores viajantes de todos os tempo.
Mas este era cego, ou melhor, ficou cego a certa altura. E continuou a viajar sozinho pelo mundo inteiro, usando meios baratos, pois não era rico, usando os meios baratos dos autóctones. É espantoso como é possível ultrapassar as limitações, todas as limitações, até porque Holman, como se chamava o viajante, tinha também graves problemas de ossos e articulações.
O livro está escrito como um romance histórico / reportagem, citando muitas vezes o O Viajante Cego, que também foi escritor e investigador, no seu tempo.

Sobretudo, sendo baseado na realidade, este livro mostra-nos triunfo da vontade sobre todas as limitações, interiores ou exteriores, pois também teve muitos obstáculos postos pela sociedade da época, sendo talvez um dos primeiros o não acreditarem que um cego pudesse fazer tudo aquilo que pretendia fazer. E não era cego de nascença, era alguém que viu bem até certa altura e que cegou repentinamente, tendo de se habituar a viver sem luz.
Ah, e era marinheiro.

Fica o desejo de ler os relatos originais, que tinham ficado esquecidos... este livro deixa um certo sabor a pouco, é pouco interessante no aspecto literário. Esperava encontrar impressões inventadas / sugeridas por alguém que sabe escrever bem, melhor do que o protagonista, talvez...

sábado, outubro 24, 2009

O nosso antepassado morto

Como os portugueses só gostam de escritores mortos e só os adoram depois de mortos, José Saramago resolveu dar uma de escritor morto.
Nem de outro modo se entende que tenha ressuscitado uma polémica completamente anacrónica. Não me parece que fosse apenas uma questão de marqueting, acho mesmo que é uma questão de personalidade...
A civilização ocidental, depois de ter colocado em causa a existência de Deus e a verdade das religiões durante quase dois séculos, entra agora definitivamente numa fase mística que é o resultado dessa pesquisa e simultaneamente do desejo humano da transcendência. Não se trata de uma atitude ingénua: muitos abandonaram a religião de origem e procuraram outras, de que se destaca o budismo, não o budismo "institucional", digamos assim, mas a essência dessa religião que não cede nada ao materialismo, à economia, etc. Muitos, como eu, desejariam acreditar no budismo, o que seria muito fácil se isso não fosse uma questão de fé, irremediavelmente perdida pelo materialismo e pragmatismo demasiado persistentes da religião católica. Dos quais não me parece que este Papa seja cúmplice.
Vejamos:
A certa altura, a religião católica quase que foi a votos: as pessoas não gostam disto, então mudamos aqui e mantemos o resto. Fez o que fazem as empresas: fingiu ser complacente para ser vendável, algo que este Papa tenta mudar. Resultado: muitos crentes "fanáticos" mudaram-se para religiões ainda mais rígidas, como a das testemunhas de Jeová, enquanto outros crentes se mudavam para o budismo, muitíssimo mais exigente, tornado-se, por exemplo, vegetarianos ou fazendo improváveis votos de castidade, sem que a sangria dos ateus irresolutos se tenha estancado.
Tudo isto resulta, naturalmente, do questionamento da religião católica, que desde há séculos se faz nas consciências, nas famílias, na sociedade. Mantiveram-se na religião os materialistas, outros que valorizam mais a tradição do que a a convicção e também os ateus, designando por esta palavra aqueles que não têm fé, mas também não lhes parece que isso seja grave. E alguns cristãos convictos, claro, que são, talvez, a minoria e que são muito "gozados" pelos outros.
A questão da Bíblia só é ainda questionável para os milhões de ignorantes que infelizmente existem, para os quais Saramago se vocaciona agora, numa patética tentativa de protagonismo. São muitos milhões no mundo inteiro, mais do que em Portugal, de que o escritor já entendeu a pequenez, passando-se para Espanha. Não imaginemos que Saramago se dirige ao punhado de crentes católicos portugueses, que não lhe interessa nada, obviamente.
Tive a percepção desse completo abismo, há uns anos atrás, ao tentar explicar a uma amiga que o Deus do Antigo Testamento é praticamente o oposto do referido na mensagem de Cristo, sendo um violento e vingativo, enquanto o outro é pacífico e fraterno. Polémica esta, que aconteceu há dois mil anos e que Saramago ressuscita como se se dirigisse a um público de analfabetos. A minha amiga, ateia católica pouco esclarecida e muito ignorante, cabou por argumentar que a Bíblia que lhe mostrei não era católica. Como de facto não era, ficou muito aliviada e esqueceu o assunto.
Deixo aqui, neste fórum, um desafio a Saramago: sendo hoje a questão religiosa e mística fundamental, o que acontece também ao nível da geopolítica, sugiro-lhe que ponha em causa a religião e as práticas religiosas muçulmanas, pois essa é a questão realmente actual, ao contrário da questão cristã, fartamente debatida pelos filósofos e escritores do Sec. XIX. E que se dedique à defesa dos direitos da mulher nessa religião e nos países que a praticam.
Para isso é que é preciso ter coragem! Não para criticar uma religião já questionadíssima pelos próprios crentes. E se corresse algum risco, não seria o de morrer jovem.

sexta-feira, agosto 07, 2009

Rouge Brésil - Pau Brasil

Acabo de descobrir com prazer e alegria que Mem de Sá, o terceiro e um dos principais governadores do Brasil, era irmão de Sá de Miranda, ambos filhos bastardos dum padre (cónego) que os deve ter protegido muito, mesmo assim.
Vi isto no blogue que tenho aqui nos favoritos, " Carreira da Índia". Fiquei também a saber que o seu filho Estácio de Sá morreu ao reconquistar parte do Brasil aos franceses, que tentavam conquistá-lo, na intenção, algo mística, de fazer uma França nos trópicos, com "protestantes".

Seria interessante estudar o assunto: algumas pessoas e alguns grupos de pessoas foram viver para as Américas, na intenção de construir um novo mundo místico, esperando realizar profecias bíblicas.

Enfim, tudo isto (quero dizer, a ocupação por franceses e reconquista pelos portugueses da zona que hoje é o Rio de Janeiro) está narrado num excelente romance de Jean-Christophe Rufin, que li em francês, designado por "Rouge Brésil" e que em português se intitula Pau Brasil. Mas esse Mem de Sá, que fiquei a conhecer através do romance, aparece muitíssimo desfavorecido, como se fosse um idiota, muito feio e bronco. É tal o exagero, que parece uma caricatura. Natural, vindo de um francês que gostaria que houvesse uma França dos trópicos, altamente idealista e mística, embora a ironia esteja presente em toda a obra, criticando sobretudo o líder francês.

Pois Sá de Miranda é também um dos meus poetas favoritos e colocarei um seu poema sobre a mudança no blogue Escrevedoiros, nesta data.


sábado, agosto 01, 2009

Sputnik, meu amor

Confesso que adiei indefinidamente a leitura deste livro do japonês Haruki Murakami, considerado um livro de culto e um autor de culto e confesso que o fiz por puro preconceito.
Esperava, num autor japonês, que falasse do Japão e Sputnik não tem nada a ver com o Japão.
Preconceito: acaso os meus livros falam de Portugal? Realmente não. Só o texto " A Ilha das Cruzes" que é uma comédia e que se refere ao Sec. XVIII.

Num planeta global, não devemos esperar exotismo. Não há exotismo.

Sputnik refere-se àquele satélite, o primeiro, que foi para o espaço, levando uma cadela, a Laika.
Genialmente, refere-se à solidão da cadela, olhando para o espaço sideral, o primeiro ser a vê-lo, mas sem observar coisa alguma, talvez sentindo a falta das pessoas... ou dos cães e das cadelas.

Este livro fala da solidão contemporânea. Não necessariamente uma coisa má, digamos que sobretudo, uma coisa nova. E muito familiar a todos nós.
Já aqui tenho falado da solidão, mas duvido que me tenham entendido. Não estava a lamentar ninguém... a solidão não me parece pior do que o excesso de companhia. Pelo contrário.

O narrador do livro é um professor primário japonês, a passar as férias de Agosto, prosaicamente, em Tóquio, a terra onde vive. Fazendo "amor" esporadicamente com mulheres que não têm significado para si. Apaixonado por uma incipiente mas muito vocacionada escritora literária, que parece ser autista, até ao momento em que se apaixona ela mesma por...
Uma mulher casada.

E o resto... Bem, felizmente, ainda não li.
Desejem-me momentos de agradável leitura. Bem merecemos, todos nós, depois de tanto "trash".
Tradução de Trash: os americanos inventaram o lixo em múltiplos aspectos, mas também inventaram a designação de coisas que não valem nada como sendo lixo: lixo televisivo, lixo literário, lixo espacial...
Já se tornou quase difícil distinguir o que é lixo do que é oiro puro. O lixo pode ser doirado...
Este livro é oiro puro. Leiam.